Se fôssemos monolaterais, poderíamos afirmar que toda a história comportamental do homem girou - e gira- em torno daquilo que chamaríamos "dialética decisiva" (não sei se se é o melhor termo): A luta do indivíduo para se adequar ao seu mundo social. Numa linguagem Straussiana ( Claude Lévi- Strauss), é a velha crise entre a natureza e cultura ou, então, se se quiser assim, entre a natureza versus cultura.
Num pressuposto psicanalítico diríamos que a natureza está em crise constante com a cultura e, ao mesmo tempo, precisa se adequar a ela; e é isso que caracteriza o "eu neurótico" do qual, "em sã consciência", ninguém pode fugir. Então, de forma simples até, diríamos que o neurótico é alguém que está em conflito consigo mesmo, tentando constantemente conciliar dentro de si sua natureza individual com a cultura recebida, portanto, social.
Se, de fato, o neurótico é aquele como concebemos supra, então, o que é um neurótico senão alguém dentro de um comportamento infantil com uma consciência adulta que luta para suportar as restrições arbitrárias, cujo o sentido não reconhece, em última instância, mas que é obrigado a introjetá-las por não ver outra saída.
A história, olhando por esse lado, está cheia de manifestações culturais, religiosas e científicas que tentam abrandar essa crise que se instalou no homem desde que o conhecemos como ele é. Às vezes, essas manifestações eram inconscientes, e até despropositada, contudo sempre buscando atender esses reclamos dialéticos.
Se não, vejamos:
De tempos em tempos uma onda hedonista, como uma onda de embriaguez, encrava-se dentro da cultura. A Antiguidade experimentou uma sensação "da carne" (expressão cunhada por São Paulo) surfando nas ondas dionisíacas vindas do Antigo Oriente, que se integraram facilmente à evolução cultural grega e, mais tarde à romana. Esse espírito, quase como que de imediato, contribuiu, em longa escala, para que surgisse o seu contraponto, o ideal estóico, com as suas mais variegadas manifestações e seitas, até ao advento da moral cristã.
A segunda vaga de embriaguez dionisíaca, agora no Ocidente, surgiu durante a Renascença que foi, nesse contexto, uma resposta antagônica à sociedade vitoriana, com todo o seu moralismo restritivo. Vale dizer, que Freud, culminou essa resposta com as suas teorias emancipativas através sua teoria da libido reprimida.
Essa gangorra em cujo os polos estão a natureza e a cultura, representa uma tentativa frustrada do indivíduo resolver dentro de si um problema, diríamos, epidêmico. Não há como harmonizar esses dois mundos que habitam internamente esse homem; a não ser que nasça um "new bean" ( na visão paulina, uma nova criatura, com outras paixões, com outra consciência).
O homem pós-moderno desistiu de encontrar esse equilíbrio. Optou pelos instintos, como se isso fosse uma não-solução para a sua histórica crise existencial. Valores intrínsecos, nascidos nele, antes de sua consciência, clama por harmonia, paz interior, consciência tranquila, interação com o próximo e com a natureza.
Então,
Esse homem hodierno viver outra vez - como das outras vezes na história humana - a mesma crise. A diferença está no fato desse homem não querer saber o que sabe, não querer tomar decisão diante daquilo que existencialmente é inadiável. Daí o seu vazio, a sua angústia - o seu nada! No dizer de Nietzsch (pela boca de Zaratustra) : "Sua alma morreu antes que o corpo..."
Cícero Brasil Ferraz