Assuntos

11.12.13

O PROSCÊNIO DO EU

 Se fôssemos monolaterais, poderíamos afirmar que toda a história comportamental do homem girou - e gira- em torno daquilo que chamaríamos  "dialética decisiva" (não sei se se é o melhor termo): A luta do indivíduo para se adequar ao seu mundo social. Numa linguagem Straussiana ( Claude Lévi- Strauss), é a velha crise entre a natureza e cultura ou, então, se se quiser assim, entre a natureza versus cultura.
Num pressuposto psicanalítico diríamos que a natureza está em crise constante com a cultura e, ao mesmo tempo, precisa se adequar a ela; e é isso que caracteriza o "eu neurótico" do qual, "em sã consciência", ninguém pode fugir. Então, de forma simples até, diríamos que o neurótico é alguém que está em conflito consigo mesmo, tentando constantemente conciliar dentro de si sua natureza individual com a cultura recebida, portanto, social.
Se, de fato, o neurótico é aquele como concebemos supra, então, o que é um neurótico senão alguém dentro de um comportamento infantil com uma consciência adulta que luta para suportar as restrições arbitrárias, cujo o sentido não reconhece, em última instância, mas que é obrigado a introjetá-las por não ver outra saída.
A história, olhando por esse lado, está cheia de manifestações culturais, religiosas e científicas que tentam abrandar essa crise que se instalou no homem desde que o conhecemos como ele é. Às vezes, essas manifestações eram inconscientes, e até despropositada, contudo sempre buscando atender esses reclamos dialéticos.
Se não, vejamos:
De tempos em tempos uma onda hedonista, como uma onda de embriaguez, encrava-se dentro da cultura. A Antiguidade experimentou uma sensação "da carne" (expressão cunhada por São Paulo) surfando nas ondas dionisíacas vindas do Antigo Oriente, que se integraram facilmente à evolução cultural grega e, mais tarde à romana. Esse espírito, quase como que de imediato, contribuiu, em longa escala, para que surgisse o seu contraponto, o ideal estóico, com as suas mais variegadas manifestações e seitas, até ao advento da moral cristã.
A segunda vaga de embriaguez dionisíaca, agora no Ocidente, surgiu durante a Renascença que foi, nesse contexto, uma resposta antagônica à sociedade vitoriana, com todo o seu moralismo restritivo. Vale dizer, que Freud, culminou essa resposta com as suas teorias emancipativas através  sua teoria da libido reprimida.
Essa gangorra em cujo os polos estão a natureza e a cultura, representa uma tentativa frustrada do indivíduo resolver dentro de si um problema, diríamos, epidêmico. Não há como harmonizar esses dois mundos que habitam internamente esse homem; a não ser que nasça um "new bean" ( na visão paulina, uma nova criatura, com outras paixões, com outra consciência).
O homem pós-moderno desistiu de encontrar esse equilíbrio. Optou pelos instintos, como se isso fosse uma não-solução para a sua histórica crise existencial. Valores intrínsecos, nascidos nele, antes de sua consciência, clama por harmonia, paz interior, consciência tranquila, interação com o próximo e com a natureza.
Então,
Esse homem hodierno viver outra vez - como das outras vezes na história humana - a mesma crise. A diferença está no fato desse homem não querer saber o que sabe, não querer tomar decisão diante daquilo que existencialmente é inadiável. Daí o seu vazio, a sua angústia - o seu nada! No dizer de Nietzsch (pela boca de Zaratustra) : "Sua alma morreu antes que o corpo..." 
 

Cícero Brasil Ferraz

30.11.13

O CÉU E O INFERNO DA LIBERDADE

O mundo está em crise. Aliás, a maior de todas as crises. Vivemos a descrença na esperança.
Desde o século V, até ao XVI o homem ocidental viveu sem crise, pelo menos aquela mais aguda em epígrafe. Quase como um anacoreta fugia da luxúria, da vaidade, das crises existenciais provocadas pelo império do "eu quero', em detrimento muitas vezes, do "eu preciso". Era simples, simplista e simplório. Praticamente nenhum deles sabia ler. A Grande Mãe, a Igreja, lia e pensava por ele. Todas as suas certezas estavam a serviço de algo que o desobrigava ter qualquer opinião ou tomar qualquer decisão em qualquer área do saber e do sentir, por estar sob a Égide das Alturas. Para o homem da Revolução Francesa que descansava, até então, na "libertação de Deus", a questão não era mais Deus e a liberdade mas, sim, Deus ou a liberdade. De Marx  a Bakunin; de Nicolau Hartmann a Sartre, sempre se tem colocado esse homem numa postura dialeticamente definitiva: Se Deus existe, o homem não é livre; se o homem é livre, Deus não existe.
No meu tempo de juventude - os revolucionários anos setenta - o ateísmo era pré-requesito para uma relevância intelectual que se opunha à alienação religiosa, ao mundo das regras sociais, à política econômica. Ser ateu era condição imprescindível de entrada para os portais do academicismo; e ser acadêmico, era ser livre. O ateísmo se apresentava como um postulado de modernidade e de maturidade intelectual. A linguagem gestual era o de dois dedos alçados ao ar, como que gritando, "paz e amor"!  E, ainda, os punhos em ristes, preconizando: " Trabalhadores de todo o mundo, uni-vos"!
O movimento hippie e a efetiva revolução do proletariado nos apresentaram o seu "new bean". Esse homem não era mais um cristão, servo de Deus, pelo contrário, era um Prometeu, o libertador dos deuses, inclusive do Deus cristão.
Esse homem iluminado (filho do iluminismo), concluiu que havia uma trindade maldita que deveria ser rejeitada, desconstruída e urgentemente reconstruída: Deus, establishment e o Estado. Esses modelos deteriorados deveriam passar pelo crivo fino, frio e infalível da razão. O Papa, o César e os Paradigmas não garantiam mais a certeza da liberdade. Desde o século XVI até ao XX, o mundo sofreu constante e irrefreável revisão. A partir do último quartel do século XX, até ao nosso, o XXI o homem desistiu de sua razão como conditio sine qua non  de liberdade, e não encontrou outro para substituí-lo. O última bastião de sua humanização se tornou em um fortuito prazer no seu último ícone, o Agora. Nada é permanente. Nada faz sentido. Nada é consistente. Nem mesmo a anarquia é alguma coisa. Não há um porquê em qualquer coisa ou em qualquer nada.
Com o exposto, talvez agora, se entenda um pouco, o porquê da quebra de todos os valores e paradigmas no século XXI que constituíram a história humana. O único paradigma que permanece é o de não ter paradigma. Algo como: "...é proibido proibir" ou, então, aceitar, indefeso, todos os conceitos construídos pelas sabedorias dos povos, durante séculos e séculos de história. Ou nada é a verdade ou tudo é a verdade que deve ser aprimorada, revisada e absorvida em todo tempo.
E assim, viver sem o peso de se definir, enfim, de se encontrar cara a cara com a história a todo tempo e que o torna responsável consigo e diante de si mesmo, tem sido, do homem pós-moderno, a fuga do Céu de Iaweh e a sua entrada no Inferno de Dante.

Cícero Brasil Ferraz       

15.11.13

TOP TWO


Creio que há, pelo menos, dois tipos de gênio (gente) que goza de privilégios especiais: O cientista e o religioso (teólogo?). Este por tratar concreta e objetivamente com as "coisas sagradas" que são, por outro lado, subjetivas. Aquele, por trabalhar com coisas subjetivas, tornando-as objetivas e concretas pelos métodos requeridos pela ciência, para ser reconhecido como uma  teoria objetivamente comprovada, ou seja, vir a ser uma tese. Ambos querem trazer ao conhecimento e à experiência humana aquilo que, até então, era desconhecido. Um quer trazer à luz a pessoa do criador; já, o outro, à lume, os mistérios das coisas criadas. De uma certa forma, ambos estão ligados aos mistérios da fé e à imensidão daquilo que não se pode reduzir à mnemônese. Por isso, também, chegam ao conhecimento da verdade , por assim dizer, em muitos momentos, via insights e  revelações, quando pensam o próprio pensamento de Deus. Toda a verdade nascida de um insight ou oriunda de uma revelação não "vem", tout court, ao pensamento humano, sem antes ter veiculado pelo pensamento de Deus. Então, não seria loucura afirmar, que eles são os primeiros a pisar as pegadas mais originais de Deus; percorrem o mesmo caminho do fiat divino.
Portanto, quando um cientista "cria" o conhecimento e o religioso "recebe" a revelação, estão pensando, naquele exato momento, o próprio pensamento factual de Deus. Porque Deus não quer nada que não seja feito; e somente aquilo que ele deseja é que se torna provável. Não existe verdade científica que não seja divina, como também não existe verdade divina que um dia a eternidade não possa se revelar.
Por "pensarem o que Deus pensa", ambos (de forma, de sentimento e de condições bem diferentes) estão muito perto de Deus. Como bem sintetizou Albert Einstein : " A crença de que o universo das coisas existentes é acessível à razão humana e que as regras válidas neste universo são racionais pertence ao domínio da religião. Eu não consigo sequer imaginar um cientista autêntico que não compartilha dessa fé profunda".
O que esse homem genial queria dizer é que dentro de uma realidade objetiva, observável e defensável à  luz da razão, existe uma outra realidade tão subjetiva e criadora quanto a que o cientista acabou de conhecer. Ele aceita essa subjetividade como um fato dado a priori com a mesma certeza  que aceita a objetividade das provas científicas oriundas da subjetividade do que era desconhecido. Assim, a ciência, é conhecimento daquilo que foi dado e de algo que já "estava lá". E o cientista "religiosamente" submete o seu pensamento àquilo que lhe foi dado a conhecer.
E, ainda,mais, um cientista de verdade reconhece, humildemente que, as verdades que ele descobriu, não criaram o universo mas, pelo contrário, "o que está lá" é o que estimula sua curiosidade e direciona sua mente para o conhecimento intuitivo, "inspirado" para, depois, formal e científico.
 O que está certo para eles (religiosos e cientistas) é que, desde uma nota musical ao micro-quântico, um conhecimento da realidade já "estava lá" pronto e acabado, a sua espera, querendo ser conhecido e interpretado à luz da compreensão humana. A  humildade dessa gente, que é também sua grandeza, reside no fato de que são apenas instrumentos para interpretar e dar a conhecer ao homem comum o que ele nunca poderia criar e que o ignorante jamais poderia saber sem a sua concorrência.
Dessarte, um cientista e um religioso, são um "pouco profetas" por trazerem para mais perto daquilo que é profano e de senso comum o que jamais poderia ser conhecido, senão pela mediação desses saberes.
Por causa dessa alta e sublime missão, religiosos e cientistas, submetem as sua mentes às evidências apresentadas pela revelação de um lado, e pelo universo de um outro; julgam a veracidade de suas "teorias" de acordo com a  capacidade, competências e  limitações próprias para explicar as evidências do que existe. Ambos, por pressupostos diferentes, estão pensando o pensamento de Deus,  trazendo-o à tona e  à luz da história.

Cícero Brasil Ferraz
 
  




















Cícero Brasil Ferraz

31.10.13

NA DOBRADURA DO TEMPO

Por várias vezes tenho repetido em minhas preleções da atitude desertora do homem pós-moderno, da sua desistência em prestigiar, manter e preservar os valores que até então o mantiveram como um sapiens gregário e "evoluído". Por ver-se acuado diante do vazio existencial, decepcionado com as promessas não cumpridas pela religião (Séc. III até ao XVI), pela razão (Séc. XVI até ao XIX) e pela ciência (Séc. XX) , desistiu da própria esperança.
Quando falo que esse homem está vazio, estou dizendo que esse homem sem esperança vive "indo" o momento da não-espera. Não deseja mais viver aquele vazio produtivo, que é quando a ansiedade motivadora leva-o para perto do abismo da expectativa do surgimento do novo, do fenômeno, do surgimento dos insights que mudaram o tempo da história e, até, como no caso de Einstein, a história do tempo. Esse homem desistiu de "pensar o sonho", de ser surpreendido pelo novo. 
O fenômeno (acontecimento) do novo, embora seja fortuito, nasce de uma excitação anímica que, em ebulição, espera do ex-nihilo nascer o novo que encanta, inebria e faz a história acontecer.
Esse acontecimento marca o surgimento de uma situação inusitada, de uma ideia nova, de um fato previamente inexistente. Todavia, para que essa situação se efetue, a estrutura desse criatio há que tolerar um certo grau de incerteza e um certo "vazio" que habilitem o surgimento de um algo novo como novidade radical. E ali, exatamente ali, de onde não se conhecia emerge o conhecimento do novo.
Não advogo aqui a inoperância da razão, uma espera incapacitante sem a concorrência do esforço humano, aliás, este novo a que me refiro, vem do conhecimento antigo que não pôde dar sequência a  si mesmo por esgotar-se. O novo que é novidade, nunca percebido anteriormente, nasce exatamente do que já se sabia que, por inconsistência, não pôde dar origem a um novo saber e, que, por ser limitado, exige do homem criativo a revisão dos saberes anteriores e a possibilidade de deixar espaço para o imprevisto. Neste sentido, é desse "novo nada" que tudo acontece, que o Kairós (o novo tempo que muda) supera o Kronos (o tempo continuado).
Mas esse homem pós-moderno cansou de sonhar. Ficou decepcionado com as promessas feitas e não efetuadas pelos seus ícones. Na sua cabeça transita o seguinte pensamento: "É melhor não pensar-esperando porque, se outro novo aparecer, como apareceram a religião. a razão e a ciência, ele irá prometer e prometer para, depois, me abandonar, como os outros me abandonaram na esquina incerta da desilusão filosófica e existencial. Eu prefiro somente estar e não procurar o novo que me desafia  a ser".

Cícero Brasil Ferraz


 


18.10.13

VERDADE; ORA VERDADE

Com origem na revolucionária "teoria da relatividade" de Einstein, o pensamento pós-moderno criou um novo jeito de argumentar (seria um sofisma?), um novo modo de não se definir ante uma situação ou um fato. É recorrente ouvirmos, naquilo que se tornou, em qualquer discussão ou embate, a afirmação do momento - com certo ar de sabedoria e matizes de conhecimento último -: "Cada um tem a sua verdade". O silogismo -às avessas, é claro- é inevitável: Se cada um tem a sua verdade, ergo, não há verdade nenhuma. A verdade, enquanto categoria ideal absoluta, não aceita plural. Não há verdadeS e, sim, verdadE. Há, é claro, muitas sabedorias, mas só uma verdade.
A verdade pós-moderna não tem função de endosso, mas só a de situar o indivíduo, enquanto ser pensante num dado momento. Não serve com "avant première" de um debate; não passa de um ponto de vista a priori. A mesma verdade que é defendida hoje pode ser atacada e anulada pelo mesmo debatente no mesmo confronto. A defesa é a seguinte: "estou afirmando isso HOJE, amanhã a verdade poderá ser outra".
Infelizmente, por não se aceitar a verdade como conceito universal, há um espécie de "respeito" - e é politicamente correto fazê-lo - por aquilo que a outra pessoa pensa. Esse homem pós-moderno encara a presença de outros sentidos/interpretações como uma afronta, um desrespeito, um desafio e até uma ameaça ao próprio sentido das ideias e das coisas. Parece-nos que "a verdade de se  por mãos à obra" (Heidegger), verdade desvendada do ente ( dasein ou seinda?) se torna uma escaramuça para o que é verdadeiro ("sein"), mas ou menos o que disse Jesus: " ... se a luz que há em vós se tornar trevas, quão grandes trevas serão". Explico: Se uma verdade a posteriori esconde a verdade absoluta, que grande mentira será! Até mesmo a palavra pela qual se conceitua as coisas e as ideias, conforme o pensamento pós-moderno sofre dessa metamorfose. O ato de dizer projetivamente é o ato de dizer que, ao preparar o dizível, traz simultaneamente o indizível como tal ao mundo. Se não for assim o centro conceitual nunca será possível, dado o caráter transitório da palavra, do locutor, do interlocutor e do receptor; aliás, que são palavras senão uma invenção para ideias e coisas?
 Esse ocultamento dissimulador é a fonte de toda "náusea" (Sartre) e desconforto(Freud) desse peregrino " homem over-time". A gênese das aflições, angústia , vazio e sofrimento desse homem está na escassez do sentido das coisas, na eminência dos limites, na incongruência das sequências, na volubilidade da lógica que desaguam nas fragilidade dos relacionamentos como formas originalmente integradoras  com pessoas e coisas; daí tudo em que toca, tudo que vê e ouve se lhe afigura como um simulacro de relacionamentos  espectral e não essencial porque a verdade não é, segundo creem, um ato/pensante e, sim, uma permissão a um tempo do pensamento.
A consequência, é a fuga da verdade,  é o não querer saber o que se sabe, o que se constitui em covardia existencial, que é a pior das covardias. Por   outro lado é não conhecer o conhecer que ainda não se conhece, é o que é o maior repto que a existência lança ao homem; empreita que somente aqueles que tem "coragem de ser" demandam.
Creio que, para a cura desse mal, seja necessário a esse homem um retorno ao estágio dos filósofos pré-socráticos que observavam a realidade e as coisas por elas mesmas, na simplicidade delas mesmas, sem nelas interferir ou ocultá-las, por não entendê-las exaustivamente. Creio haver a necessidade de uma supressão da desconfiança; a volta à uma credulidade infantil e primitiva para que, aquilo que o cartesianismo lhe escondeu, possa ser reencontrado em "outras inteligências" escondidas em sua Imago Dei.

  

Cícero Brasil Ferraz

3.10.13

UM TÚNEL NO FIM DA LUZ

Até a queda do muro de Berlim (1989) pairava sobre o imaginário filosófico, a ideia de que  havia um certo "benefício da dúvida"  quanto o que seria melhor para a sociedade mundial . O mundo girava e se equilibrava por entre dois poderosos pólos: O Capitalismo e Socialismo (uso este termos de forma mais genérica possível). Os argumentos - e quase sempre consistentes-, de ambos os lados, nos equilibravam com uma gostosa sensação de que um agregava mais valor, ainda, ao outro. Ou, então, no futuro, haveria de nascer uma síntese que pudesse animar (dar alma) ao próprio ciclo indefectível da história, a partir desses pólos.
A prevalência do capitalismo como uma nova monergia mundial, para muitos, foi, o descortinar de uma nova, duradoura e próspera fase da história. Mas o que aconteceu, afinal, é que o pêndulo sem equilíbrio (produzido pelo seu lado o oposto) perdeu de forma abrupta o controle das relações plutônicas, o que provocou uma desregulamentação global. A desastrada liberdade concedida ao capital e ao mundo business, o repúdio a  todas as razões não econômicas custou-nos, a todos, o cerceamento das outras liberdades e das redes de segurança,  tecidas e sustentadas pela "mentalidade social". Essa plutocracia dominante levou também de roldão a força que balanceava as estruturas legais, os fóruns onde se debatiam os direitos universais, o estado do bem-estar, os direitos de negociações dos sindicatos, a força das legislações trabalhistas, até então, agenda prioritária da "política social".
A distribuição da riqueza das nações, agora, é administrada (manipulada) pelos órgãos internacionais que quase sempre, não levam em conta os princípios de isonomia, ou não atendem aquela velha máxima grega de que " os diferentes não podem ser tratados de forma igual".
Há algum tempo atrás, no novo império plutocrático - não sei se as estatísticas estão atualizadas- a rica Europa contava com cerca de três milhões de desabrigados, vinte milhões de "expulsos" do mercado de trabalho e trinta milhões que vivem abaixo da linha de pobreza.
Para esta nova ordem não cabe mais uma política que julgue decente e dignificante uma gestão que o crescimento do mercado seja uma garantia suficiente de oportunidades de autoenriquicimento, e nem de que também se deva interpretar a negação da liberdade de consumir bens gerados pelas riquezas das nações como humilhação ou descaso.
O que se observa, com tristeza, são poderosos chantageando outros poderosos com sua maquiagens contábeis, seus apertos de mãos ocultos nos refolhos dos saguões macroeconômicos. Nessa guerra de titãs os pequenos nem são notados e, quando são, comem apenas das migalhas que caem das mesas dos poderosos.
A lenta, mas implacável dissipação e esquecimento das habilidades das organizações sociais, conduz a outra parte da censura: a morte dos tecidos mais primários da sociedade, enquanto societas in cordibus, tais como o da família, da vizinhança e da boa convivência social entre os cidadãos onde o homem sempre encontrou cura para as sua chagas sociais e proteção contra a sua desintegração, enquanto ator social de sua cidade e de seu país.
Há um aspecto autofágico no império Capitalista: Só se vende quando há comprador (um truísmo, é claro). Se ele (o Capitalismo) for consumido pelos  seus consumidores (os pobres),ele vai morrer, dado os limites de quem consome. Para a sua própria sobrevivência é necessário que ele crie ferramentas sociais para o ressurgimento de uma nova classe de consumidores que unifiquem as riquezas, gerando ainda mais riqueza, criando assim um novo pêndulo onde possa gangorrear "um novo círculo virtuoso".


Cícero Brasil Ferraz

18.9.13

OPÇÕES ABERTAS

No jogo da vida pós-moderna, as regras - em todos os níveis - não param de mudar no curso dessa "disputa". O segredo - como nada mais é permanente - é manter sempre a certeza, a cada jogo, de uma constante fracionalidade através de sub-etapas estreitas e breves, o que possibilita mudanças de estratégias e rumos. Ou seja, cortar o presente nas duas extremidades, superando-o do passado e do futuro. O que importa é o agora, é o momento, a experiência do fato, enquanto só experimentado no ato. Não há mais o que chamávamos, até o Séc. XX, o movimento continuado do fato de "ir para a frente" ou "ir para trás". Essas direções dimensionais não existem mais; morreram com o surgimento da cultura pós-moderna e por causa dela.
Uma vez que, para aquelas dimensões abandonadas não exista mais um vetor, uma seta, um fluxo qualquer com qualquer direção, o tempo já não estrutura o espaço. O homem do "agora" não se sente indo "para", que lhe importa é somente se mover, sem exatamente a busca de um destino. O que importa é assimilar a experiência quando-no-agora ela chega. Por conseguinte toda a demora, até a "demora de satisfação", perde o seu significado, porque não há nenhum mensurador disponível que possa detectá-la. O homem pós-moderno tenta, a todo custo, isolar o presente da história.
Quem não tem história (um passado para o futuro) perde o que é de mais valioso no seu ser: A capacidade de ser reconhecido fora de si mesmo, quando se comparado com algo ou alguém da história e, portanto, assim, sem possibilidade de se lançar no futuro como algo ou alguém possível. Aqui é que ele perde o significado da identidade, pois ela só pode ser apreendida como tal "em relação a" ou com alguma correlação quando se volta para o passado ou se lança para o futuro. O silogismo que aqui se impõe: Se esse homem separou o presente da história ele não pode se comparar a nada e nem a ninguém, ergo, sua identidade se fracionou entre os espasmos de um movimento sem rumo. Aquele mundo moderno do passado constituído de relações e objetos duráveis deu lugar a um outro onde as pessoas e coisas são disponíveis e projetadas para uma imediata obsolescência. Também, à vista destas novas relações pessoais, nossos gostos e prazeres se tornam líquidos e, para logo depois, voláteis; foram metabolizados e liquefeitos no britador da renúncia do espaço e do tempo proposta pela pós-modernidade.
Mas nem mesma essa renúncia do tempo impede esse homem sem sombra enfrentar as crises deste tempo sem tempo. Digo isso pela razão de,  não havendo fato permanente, não haver por conseguinte, verdades permanentes. Se a verdade vai se fixar em alguma certeza, por não ser permanente, poderá voltar de "lá" novamente como verdade sazonal num dado momento fragmentado e provoca, assim, a mais incontrolável das crises, que é crise da certeza, berço de toda a insegurança e desesperança. Tudo vai-e-vem; volta-e-volta. Porque tudo que integrador no tempo e no espaço é baseado em parcerias, reciprocidades e em movimentos éticos, dinâmicos  duradouros.
Li, algures: "Como pode alguém viver sua vida como peregrinação se os relicários e santuários são mudados de um lado para o outro; são profanados, tornados sacrossantos e depois novamente ímpios, num período de tempo mais curto do que levaria a jornada para alcançá-los? Como pode alguém investir numa realização de vida inteira, se hoje os valores permanentes são obrigados a se desvalorizar para, amanhã, se dilatar? Como pode alguém se preparar para a vocação da vida se habilidades laboriosamente adquiridas se tornem dívidas um dia depois em que se tornaram bens? O que fazer, por não ter certeza de nada, quando as profissões e empregos desaparecem sem deixar notícia ( porque não há passado) e as especialidades de outrem são os antolhos de hoje?"
E concluo: como buscar ou criar uma identidade, uma face social num mundo que se fundamenta  na instabilidade das relações onde as regras que nos constituem sejam exatamente a de não haver norte, direção, fanal ou archotes? Como disse um de nossos poetas: "...pára mundo, que quero descer...".

Cícero Brasil Ferraz
    
 
 
 


3.9.13

"OS POBRES, SEMPRE TENDES CONVOSCO"

Quando o assunto é pobreza, nem tudo que se houve é, de fato, como se espera. Muitos há, especialmente os demagogos de plantão, que querem auferir desse filão dividendos políticos, plutônicos e/ou ditatoriais.
 Olhando pela perspectiva macroeconômica - e é o que queremos focar aqui -, a divisão rico-pobre é eufêmica pois, o que, de fato, existe é a dialética da cristalização entre "sedutores-seduzidos" e "opressores-oprimidos".  Vendo assim, os pobres se constituem em uma poderosa massa de manobra para a manutenção do status quo de tantos megalomaníacos, ditadores, amantes do poder e avaros. A velha divisão rico-pobre toma, por este modo de ver, um novo colorido, mas que contempla a mesma realidade: Para que a sociedade se mantenha como tal o pobre TEM que existir.
A manobra para a sustentação da pobreza é o consumo. Os ricos (tanto quando se trata de  indivíduos quanto se trata de nações) devem produzir para o consumo dos pobres somente o excedente. Isso se dá a partir de um marketing projetado para a adulação e sedução daquele (o pobre) que vai consumir e pagar com tudo que tem o que é sobra do produtor. O imperialismo e o colonialismo nunca vendem riqueza, só aquilo que foi produzido como seu excedente para lhes garantir  ainda mais riqueza; e, por mais estranho que seja, são os pobres, exatamente eles, que trabalham no fabrico do excedente que eles mesmos, depois, serão obrigados a consumir. Essa exploração da pobreza é dupla: tanto quando ele fabrica como quando consome. Daí a importância do rico manter a excelência do nível de emprego, melhores salários (mas nunca parte da riqueza), manutenção de estoques abastecidos, excelência nas relações interempresariais (B2B), entregas de produtos pré-programadas (just in time): Mis-en-scène de um mercado orientado para a fossilização da pobreza.
A plutocracia é a forma de governo que colocou todos os outros ideais políticos, religiosos e filosóficos sob seus pés. A linguagem mercadológica é o discurso preferido de políticos, chefes de Estado, gestores públicos, religiosos, filósofos, palestrantes e profissionais em geral. Todos se renderam a Mamom.
Atributos como "estar nervoso", "em calmaria", "agressivo", próprios aos seres humanos, agora, é também aplicado ao Todo Poderoso MERCADO; e porque a coisa se tornou o ser e o ser, então, necessariamente virou uma coisa.
Não existe nenhuma razão humanamente plausível para a manutenção redundante da pobreza; se a riqueza quisesse  a pobreza seria aniquilada; só não o é pelo prazer sórdido   de ver crescer a sobra, o excedente e o reciclável para ALGUÉM consumir.

Cícero Brasil Ferraz
 
 
 


18.8.13

NA TEIA DA UTOPIA SOCIAL


A velha frase conhecida e preferida pelo homem moderno e, agora, também, pelo pós-moderno ressoa, a primeira vista, como uma ode à liberdade: "...estou à procura da minha felicidade...". Por mais necessário que seja a felicidade para o gênero humano, ela nunca pode ser "minha felicidade" (no sentido de encontrá-la, possuí-la e gozá-la por si-só), pois esse sentimento-estado só é encontrado na relação com o Outro, com o Tu ou na Face do Próximo. Ninguém é feliz simplesmente por ser feliz, há que haver uma conjugação vivencial, empática e interacional com o Outro. Os nossos valores permanentes são sempre "em relação a..." , em "em contraste de...", ou ainda, "concomitantes com...". Mas nunca livres do "Outro em relação a...", porque a felicidade não está na "coisa-em-si", mas no como relacionar essa "coisa-em-si" com o Outro. Felicidade é relacionamento.
Como "eu-moral", constituído no interior do espaço do "ethos" e de pontuais características culturais, o que é felicidade para um, pode ser desgraça para o outro. Aqui, onde moro, por exemplo, o trânsito pesado e congestionado se torna angústia e desgraça para muita gente (às vezes também para mim) e, o mesmo trânsito, por outro lado, é a alegria, felicidade e a realização de tantos mascates e vendedores ambulantes que se abolhetam às margens das grandes avenidas e ruas, biscateando seus produtos, o que lhes garante lucros jamais conseguidos se não nessas circunstâncias. O que não muda, nesses casos, é a relação com o outro.
Viver no espaço Eu-Tu é o segredo. Penetrar nesse espaço representa tirar uma "folga" das atividades mundanas (imundanas?), com suas normas e convenções e promover esses "encontros morais". Chegar despido de qualquer adorno social, despojado de qualquer "status", distinções sociais, desvantagens emocionais, posição ou papéis; não sendo rico nem pobre, arrogante ou humilde, poderoso ou destituído de poder. Simplesmente se aproximar com a essencialidade de nossa humanidade, comum a todos. Essa 'santa" busca e inquietude moral são o terreno sobre o qual toda e qualquer felicidade floresce.
Cabe-nos a esta altura perguntar: Pode essa relação, criada na estufa do encontro de duas pessoas (Eu-Tu) suportar a investida de um terceiro participante? Aqui se encontra o nó górdio das intrincadas relações de qualquer sociedade, desde as tribais ate às urbanas. A capacidade moral que se faz sob a responsabilidade pelo Outro como Rosto é que torna a teia social forte, potente e suficientemente vigorosa para sustentar uma carga inteiramente diversa, plurilateral na busca de sustentar e manter a responsabilidade social do Terceiro até que se configure seu Rosto Social que é o que narra  a sua  história e que dá sentido a sua vida. A felicidade plena será encontrada   quando ninguém nesse mundo for um estranho. A vida com sentido último está no "Tu" e no "Vós".
Podemos afirmar que a relação sólida do Eu-Tu é que torna a vida comunitária (agora com um terceiro elemento no quadro) suportável ( de suporte) à tessitura dessa teia social. É assim que uma sociedade cria um saudável e aprazível Rosto Social, aquele se configura na intersubjetividade das relações, na transcedentalidade de seus cultos e nas dramatizações de seus instintos distintivos e, sobretudo, na exaltação de suas virtudes e categorias universais.

Cícero Brasil Ferraz

3.8.13

E A DEMOCRACIA?

Desde o Séc. V a.C (O século de Péricles), na Grécia Antiga, o homem buscou um modelo político em que sua participação no governo das cidades-Estado se tornasse mais efetiva e factível nas suas famosas assembléias (Eklesias), geralmente convocadas para as ágoras centrais onde debatiam, junto com representantes do governo, os assuntos que eram mais palpitantes. Desse modo, o cidadão comum (exceto escravos e camponeses) distribuía com seus representantes direitos e responsabilidades.
Já, na Era Cristã, a Igreja (o Clero, é claro) assume  o lugar da Eklesia ("Igreja" ou assembléia) para, em nome de Deus, administrar os negócios temporais e espirituais. O poder agora está nas mãos de Deus (ou deus?). Esse modelo vigora até os Sec. XVI, quando retorna o antropocêntrico mundo ideal (das ideias): O período chamado iluminismo. E a  razão se torna, assim, a medida de todas as coisas. Nesse período as estruturas governamentais e ordenamentos jurídicos sofrem profundas transformações.
A primeira grande decisão dos humanistas foi tentar substituir  "Deus" pelo homem (ratio); colocar o homem no centro do universo; divinizá-lo ao substituir o Eu-Sou (Iaweh) pelo (cogito) ergo sun. Sua ambição foi a de instituir uma ordem inteira e absolutamente humana na terra. Uma espécie de um "novo" ponto de Arquimedes em torno do qual a terra e, até onde a inteligência humana o levasse, fosse fomentada, alimentada. O que só podia ser explicada à luz da razão. O Século XXI desmoronou o sonho iluminista e, também, o cientificismo do Sec. XX quando concluiu que não existe verdade mas, sim, verdades. O altivo e arrogante "homem-científico" (da ciência) se atrofiou ao ponto de viver hoje num nosocômio onde também moram a religião, a fé e a razão. Hoje, a ciência inválida, cronicamente desacreditada, tem como consolo acompanhar a vida passar pela janela de seu ilimitado espaço geográfico.
A pergunta - muito mais retórica e talvez, nela mesma se encontre a resposta- é: Como uma orientação filosófica, como a que temos hoje, que indefectivelmente leva o homem do antropocentrismo para o individualismo, quer ser democrática? Se a democracia pressupõe a participação de todos? É nesse nó górdio e estrangulador é que nasce, morre, revive a nossa confusa sociedade.
O homem comum da pólis (político) da pós-modernidade, tomou uma posição radical em relação a esse "nó". Desistiu da sociedade, enquanto agremiação política e, o que é mais triste, desistiu de si mesmo, enquanto partícipe e co-gestor de seu Estado. Ele já desistiu de uma sociedade ideal, sem distinção de raça, cor, estrato social, terceiromundização, ideal, em favor do qual, seus predecessores tanto lutaram. Isso não é mais a tônica do desidealizado homem pós-moderno. Repito o que algures escrevi: A solução tomada pela sociedade pós-moderna, através de seus atores, foi a privatização de sua própria vida. Privatizar aqui significa não se importar, se isolar, não tentar, não ousar...simplesmente desistir.
Por quê?
O potencial de suas inteligências e competências não foi capaz de transformar a sua individualidade num ser integrado ao próximo e ao seu mundo. O seu imenso universo se tornou em um "one-verso".

Cícero Brasil Ferraz

18.7.13

A POLÍTICA DE MOVIMENTO

Em época de efervescência política, tal como vivemos nos dias atuais, faz-se mister voltar a nossa avaliação e ajuizamento para além dos diversos partidos que vicejam por aqui; para além dos "ismos" (socialismo, comunismo, democracismo e outros que tais), assim, voltar os olhos para a realidade basilar do homem como "ser político" como bem disse  Aristóteles e, também, gregariamente, para o "habitante de uma polis" (cidade). Então, não só por questões etimológicas mas também práticas, a política e a cidadania militam  inseparavelmente do mesmo lado e pelas mesmas razões. Quero dizer, portanto, toda a política dever ser, por ser da "polis", política cidadã. E, também, aquém de qualquer partido ou "ismo" há que ser analisado as matrizes sobre as quais descansa a razão última de se "fazer política".
Não consigo ver política - talvez por ser míope demais para essa tarefa- como uma decisão que devemos tomar por estarmos filiados a um partido  e nem em cima de um nome, por mais caudilhesco e populista que possa ser esse nome. Destarte, vejo-a como dois movimentos distintos e anfóteros, até. Refiro-me àquilo que denomino "política de movimento" por um lado e, por outro, "política de campanha". Aquela (política de movimento) olha para o investimento e o crescimento a longo prazo, acima de qualquer "ismo"; é muito mais de caráter "espiralado", crescente e idealista. Por ser um ideal a  ser alcançado  quer criar consciência cidadã e não cativar eleitores. Já esta (a política de campanha), no entanto, é de ocasião; usa utilitariamente qualquer "ismo", não por acreditar nos seus pressupostos ideológicos (pelo menos, em terras tupiniquins é assim) e, sim, para utilizar a validade sazonal de seu conteúdo e de sua protuberância social que vigora num determinado tempo.
A "política de movimento", dada a sua natureza, não aceita conchavo, detesta a injustiça e repudia a pilhagem. Seus correligionários estão acima de um "outro" individualizado; pelo contrário, sua pregação assume a responsabilidade de que se pratique a justiça, ou seja, que se conceda o direito de um "outro qualquer" exigir, cobrar, contribuir e agregar projetos para o bem-comum; propõe uma justiça cidadã -  aquela que concede ao outro o mesmo grau de liberdade real e positiva que seus próprios propugnadores desfrutam. E assim, por estar acima dos próprios partidos, por não se caracterizar por siglas, hinos, logotipos, nomes e interesses particulares esta política é um movimento dinâmico, integrador, agregador e não uma ilha chauvinista.
Considera a isonomia de tratamento a condição sine qua non para sua subsistência. Sem essa isonomia o seu movimento perde o vigor, tal qual um rio que, por perder suas curvas, perde também sua força e dinâmica. O seu movimento não só mantém no top de seu schedule a justiça social, o caráter ético da relação com a coisa pública ( res-pública) mas, também, apoia e promove a liberdade da controvérsia como promotora de um equilíbrio saudável nas discussões corriqueiras da sociedade nos seus múltiplos estratos e estamentos.
A "política de movimento" exige de seus vaticinadores a capacidade de buscar objetivos específicos no meio de circunstâncias voláteis. Na verdade usa o caráter fissíparo da história para empurrá-la rumo à marcha dos acontecimentos pela qual buscará a maturidade das relações políticas, berço de onde emergirá, como anteviram - cada um dentro de seu pressuposto- pensadores como Paulo de Tarso ("nova criatura em Cristo),  Mao ("novo homem socialista")  e Paul Tillich ( "new being ), ou seja, estágio maduro da humanidade, aquele que colocará de lado a atual  infantilidade em que vivemos. Esse novo homem presume que as coisas devem ser totalmente mudadas para que possa nascer um novo tipo de beleza de onde fluirão as justas duradouras fruições dos prazeres distribuídos das riquezas oriundas das "polis". Assim ela dará legitimidade aos seus objetivos e, ao mesmo tempo, será capaz de conferir sentido a qualquer "ismo" que por acaso venha a assumir os rumos político-sociais da cidade.

Cícero Brasil Ferraz









3.7.13

HOMO TOTAL

Fiquei perplexo -sem saber que tipo de sentimento deixaria aflorar- ao ser surpreendido com a notícia (BBC Brasil) de que alguns gays dos mais radicais e renomados (Jonathan Stroff, Legba Carrefour e outros) eram contra o "casamento gay".
É claro que as razões que me levaram a concordar com eles não eram as mesmas; mas mesmo assim, tivemos um ponto em comum: É, no mínima uma bizarrice, uma caricatura incoerente, um simulacro distorcido e uma vesguice histórica. Não quero aqui neste espaço - não é o momento e nem o lugar apropriados- tratar das incompatibilidades filosófica, antropológica, anatômica, fisiológica, psicológica e teológica da união "homo". O que me espantou foi o fato dos próprios homossexuais ( os mais pensantes, pelo menos) serem contra o casamento gay dentro do modelo tradicional no qual os "homos" querem se "encaixar". (Não vai aqui nenhum trocadilho).
Já disse em várias oportunidades aqui nesse blog que inovar e quebrar paradigmas fundamentaram a  história de conquista e de sucesso do homo sapiens. Se alguém ou alguma ideia quer ser relevante na história deve obedecer a quebra de paradigma e, ainda, criar um outro, totalmente outro -incomparavelmente outro sob pena de, se não assim proceder, fazer apenas "remendo novo em pano velho", como ensinou o Mestre Galileu.
Mutatis mutandis, se o movimento "homo" quer renovar  ("causar"?) e quebrar paradigmas deve abandonar o modelo patriarcal e machista de união esponsal, inclusive o uso indevido do vocábulo "casamento", pois o seu back ground é totalmente "hetero". Casamento é  a atitude tradicional de um homem que pede a um outro homem a "mão" de sua filha e a conduz para o altar diante de Deus, do ministro e das testemunhas para, depois, então, conduzi-la para a sua casa (pelo menos é assim dentro da nossa cultura ocidental).
Então, se o movimento "homo" quer criar algo paradigmático não deve, por isso, copiar princípios arquetípicos, dogmas religiosos de modelos patriarcais. Há que se inventar um novo jamais visto de comunhão erotoafetiva, muito além de uma certidão do registro civil ou de um CNPJ garantidores do cumprimento das assinaturas. Não creio ser justo usufruir daquilo que se quer abandonar; nem mesmo "adotar" filhos que proveem de união "hetero". Nesses casos, deve-se buscar outro paradigma que ainda não conhecemos. Como bem disse um famoso homossexual: "Estive em alguns casamentos gays adoráveis, mas imitar o casamento heterossexual tradicional é estranho e não entendo porque alguém faz isso...' Eu também, não.
Pergunto: Por que algumas lésbicas feministas (nem todas são), ao se unirem tomam modelos machistas (gestos, muxoxos, vestuários, estereótipos gerais) e patriarcais para selarem essa união? Se são ousadas para tomarem posturas radicais, sejam também por criarem outros modelos radicais de união. Se não, tornar-se-ão como leões que imitam leões, até se tornarem em macacos.





Cícero Brasil Ferraz

18.6.13

CHIBOLETE


Sou cristão. Não penso - por razão que não me cabe agora explicar- que o cristianismo seja apenas mais um modo de pensar sobre Deus ou de se tentar vivenciá-lo; acho, sim, que Jesus Cristo é a própria vida de Deus no mundo e, experimentalmente naqueles chamados para o cumprimento do propósito soteriológico de Deus na história.
Mas toda verdade - como é o caso do cristianismo- só é verdade histórica quando vivenciada pelo seu objeto. Tudo que existe como verdade não é, necessariamente, verdade histórica se isso não for perceptível, fusional, encarnado no seu objeto para produzir aquilo para o que fora destinado a produzir.
O Cristianismo, como verdade histórica, não foge desta realidade como pressuposto axiológico. É muito mais do que um conhecimento mecânico, que obedece uma lógica formal é, antes, relacional e proposicional. Se a verdade cristã "não se torna carne"(interferência hipostática), jamais se constituirá em verdade histórica, conquanto verdade.
Neste sentido, se o cristianismo é o único que pode dar vida ao homem, a pari, o homem é o único que pode "dar vida" ao Cristianismo quando pronuncia através do seu depoimento verbal aquilo que o possui. "Como ouvirão se não há quem pregue", é a conclusão a que chega a tradição apostólica.
Mas se o cristianismo é vida, a linguagem  que o propala também deve ser viva. Para cada cultura diferente há que haver uma forma muito diferente de fazê-lo entendido e experimentado, pois, cada cultura tem a sua cosmovisão ou a sua maneira particular de observar e interpretar e dar sentido lógico ao seu mundo e, a fortiori, às vivências empíricas e subjetivas. E a linguagem é a interface natural que amalgama esses estratos existenciais, é o instrumento que homo sapiens usa para "fabricar" esses imaginários através dos quais as realidades imateriais são experimentadas e vivenciadas.
Mesmo dentro de uma cultura milenar, a linguagem que a traduz e também a sua fala, não são tidas como fossilizadas, de uma vez por todas definidas e imutáveis. Os modos de comunicar vida, de historificar os conceitos é sempre dinâmico. Porque a vida é viva, o modo de comunicá-la obedece necessariamente a mesma regra. A vida, em qualquer campo do saber só é realizada como tal dentro dessa ebulição cambiante de linguagens e símbolos.
Geralmente, uma língua-pátria manifesta, com suas flexões gramaticais e contornos fonais seus conceitos de verdade, seus mitos e lendas que dão, em última análise, aquelas particularidades de crenças, éticas e comportamentos que constituem o perfil metafísico de um povo. É o que normalmente se chama de "forma de vida" (lebenform), ou aquilo que estabeleceu pela fala, o sentido da vida. É esse "lebenform" que estabelece, controla e torna comum a todos do grupo aquilo que se quer comunicar, sejam os mais gerais ou os mais particulares conceitos da vida. É nesse sentido que a linguagem e o cristianismo se interdependem. Não há vida em um, sem a vida do outro.
A religião cristã , como qualquer outra, é sempre dada "dentro" de uma cultura e, para ser absorvida, para dentro daquela cultura é preciso se "encaixar" à sua "lebenform", ao seu "sitz im leben" ( o lugar psicológico onde se vive a forma) Geralmente quando o cristianismo é absorvido e metabolizado em uma outra cultura, ou seja, quando comunicado de forma viva -dado os seu valores transcendentais e éticos- a vida social muda, alguma noções primitivas de espiritualidade ganham ares de genuína e madura adoração. A vida abundante nasce. Contudo, se essa mesma mensagem não for comunicada de forma viva, dentro da vida daquela cultura, aquilo que é vivo pode se tornar na mais catastrófica morte, mesmo em se tratando de Cristianismo.
Cícero Brasil Ferraz







3.6.13

CÉLULA MATER É CÉLULA MORTA (?)

Não há como discordar: A violência que campeia a sociedade brasileira do século XXI passa impreterivelmente pela família. Por mais que concordemos que o fator socioeconômico - a velha e insistente divisão binômica pobreza-riqueza - contribua com uma parcela considerável para com a insopitável escalada desse distúrbio social, nada é mais deletério que a desestruturação da família; pelo menos do modo como a conhecemos há séculos: Pai, mãe e filho(s).
Sem saber o que fazer antes que outro construto se instale educadores, gestores públicos, pais-mães tentam canalizar os infantes para creches, escolas, babás, vovós e outros ad hoc. Se vamos criar um outro paradigma - se é que podemos- até que chegue, haveremos de conviver com este grave atormentador e convulsivo momento da historiografia larária tupiniquim.
Por outro lado (e por causa disso), o que resta à nossa progênie é uma clara sensação de abandono, de desprezo, de  desvalorização humana. Nossos filhos sofrem - creio eu - de um terrível senso de abandono, de pertença deslocada para um outro sítio que não aos do afeto. A resposta é inequívoca: Violência. Violência com todas as suas variantes fruto desse vazio existencial, do desapego afetivo ou do pior dos abandonos, o abandono moral.
Em nós, os pais, o que fica é o sentimento do dever não cumprido, o obsessivo pensamento que "não precisava ser necessariamente assim"; uma espécie de "dívida impagável" que um danoninho ("que vale por um bifinho") ou uma viagem à Disney não podem quitar.
Fazemos de nossas casas um encontro ocasional de homem (marido, quando se tem), mulher (na maioria "pãe", pai-e-mãe ao mesmo tempo) e filho(s) sem nenhum vínculo estruturante, quase sempre à noite, depois de longos períodos isolados uns dos outros, e chamamos isso de família ou de lar.
Esta desestruturação gera emoções descontroladas, desvios na sexualidade, incapacidade de interagir, desprestígios às hierarquias e falta de propósito para com a vida. Todos os valores que fundamentaram a sociedade até então, não fazem mais sentido algum para os filhos dessa novas famílias, o que gera uma cultura de narcisos perenes e de individualista atemporais. O que só faz gerar grandes conflitos entre pais e filhos, alunos e professores, clérigos e fiéis, autoridades e cidadãos.
Vivemos agora no meio deste cipoal: Famílias recompostas, famílias destruídas, casais homossexuais com desejo de adotar filhos, famílias monoparentais (de um só cônjuge), família de mãe solteira com um ou mais filhos e família de produção independente. Como, pergunto eu, criar um novo modelo de família conciliando essas configurações? E, ainda: Que tipo de geração deixaremos para a construção do futuro? Ou não teremos futuro? Somente fatos no-aqui-e-agora o que, na verdade, nem merecerão uma análise?






Cícero Brasil Ferraz

19.5.13

A MORTE DA RAZÃO

  Com o brocardo "cada um tem a sua razão", a pós-modernidade sepultou definitivamente a razão, aliás, ela, ícone do iluminismo e de todas as suas variantes. Isso porquê, se cada uma tem  razão e essa é distante e distinta das outras, tenho a razão de afirmar, então: Não há concordância, unidade, comunicabilidade ou meio de vivermos integralmente na complexa sociedade dos humanos. Assim, não se pode mais falar de universalidades - todas as categorias são particulares e não mais grupais ou étnicas. Não há, por conseguinte, senso comum ou certeza, somente certezas e generalidades. E mesmo aquilo  é certeza hoje,mesmo para o particular, não o será manhã. No máximo, o que pode haver, em termos de unidade, é uma diferença mais igual do que as outras. Em termos de um (dis)silogismo , seria mais ou menos assim: Qualquer caminho desse tipo de razão pode levar a qualquer conclusão, ou a conclusão nenhuma; e em termos existenciais: Qualquer caminho pode levar a qualquer lugar mas, que, também, qualquer lugar é lugar nenhum.
Parece, olhando superficialmente, que o argumento acima se nos pareça um "pun", um "puzzle"ou um jogo de palavras mas, é, na essência, a mais pura razão da irracionalidade pós-moderna. Destarte, a história de cada um, como também a história de todos caminham em sucessão de fatos particulares, sem nenhuma conexão entre eles. Não há como sustentar, desse modo, a tensão dialética proposta por Hegel em que todo movimento da história dos homens e dos homens dentro da história só subsiste a partir do seu contrário e não a partir do seu diferente, do simplesmente outro. Na pós-modernidade pelo fato desse movimento ser particular, sem definição permanente ou integrador   é, então, social e psicologicamente natimorto.
Cabe, a esta altura, a título de quase uma digressão, uma pergunta retórica: Onde repousa a causa da epidêmica ansiedade do homem pós-moderno? Não estaria nessa falta de certeza de esperança, portanto, de futuro? Se não há absoluto nenhum, também não há verdade e se não há verdade, também não haverá esperança. O homem de hoje, assim, está constantemente fadado à uma pré-existência. do-si-mesmo que teima nele existir. Isto porquê se não há para  esse possibilidade nenhuma de uma realidade palpável (mesmo que seja a mais primária), se não há objetividade nas particularidades existenciais ( o que o torna uma im-pesso-al), o que haverá então será somente uma representação de tudo em termos de tudo mais. Nada será valor de fato que possa tornar esse homem necessitante um projeto para o futuro. Se nenhuma certeza existe, também não haverá valores, porque toda luta é gloriosa quando busca o resgate de valores e isso constitui, de fato, o maior fato da nossa esperança. De fato valores tais como verdade, certeza, amor, bondade, justiça, paciência e tantos outros foram molas que lançaram os homens para os degraus da esperança. Muita vez à custo de lágrimas e morte.
Esta é a razão (a morte da razão) porque nada é mais permanente. A sociedade pós-moderna é filosoficamente fissípara e volátil. Todas as suas relações são construídas já com necessidade de se esboroar. Em todos âmbitos desta sociedade existe uma constatação axiomática: Não podemos construir relações permanentes, pois não há futuro algum nos aguardando. A única relação permanente é aquela baseada no eu-e-o-agora - sempre vazia; sempre solitária...
Se a modernidade conquistou o mundo com a certeza retilínea de sua razão, a pós-modernidade nos corrompeu com seu rompante niilista e incerto de suas circularidade. Hoje, nada é projetado, todo movimento é de circularidade e ambivalência. A utopia iluminista de que a razão daria ao homem uma esperança do futuro melhor fracassou com a deflagração de duas guerras mundiais.
A pregação messiânica da razão como norteadora da história humana não levou em conta os egos megalomaníacos e suas insanidades; e nem que, muitas vezes esse "ratio" opta muito mais por aquilo que sente do que por aquilo que pensa. Uma razão cartesiana às avessas: "sun, ergo cogito". Outras variantes como emoção momentâneas, espiritualidade fragmentadas, percepções místicas também se somaram a esse cipoal sináptico da inteligência humana da  fracassada era da razão.
Assim (na modernidade), como agora (na pós-modernidade) o Éden está fechado com suas trancas inamovíveis pelos querubins. Novamente Adão e Eva são expulso da vida com significado e de esperança. A promessa iluminista foi tão fantasiosa quanto a realidade que vivemos hoje. Qual será o próximo passo da humanidade? E haverá outro passo?
Creio firmemente se houver um futuro à frente e, se o homem estiver lá estará, no mínima, de costas para ele.

Cícero Brasil Ferraz
         






4.5.13

LALIA, ALALIA E DISLALIA

Com o avanço insopitável das mídias, sobretudo, as digitais, corremos o sério risco de morrermos na solidão no meio de todo mundo. É que, aos poucos, nos submetemos à linguagem digital e, como sabemos, ela não esgota todas as necessidades de todas as linguagens de que somos detentores enquanto seres gregários e comunicantes. É possível que estejamos nos empobrecendo naquilo que exatamente nos difere como seres que pensam, falam e se comunicam de forma "holofônica". Podemos até falar sem pensar, mas nunca pensar sem falar; inclusive em nossos solilóquios. Não podemos observar, raciocinar ou nada concluir se não for via vocabulário interno; não podemos, externamente nos fazermos entender senão, também, por meio de um dos muitos tipos de linguagem que usamos, no caso, a fônica.
Se de um lado avançamos no mundo cibernético ( e isso em parte é bom), por outro, diminuímos a nossa capacidade nos comunicarmos de forma holística, integradora e geradora de senso de pertencimento, fator indispensável para a nossa saúde psíquica. Estamos perdendo, aos poucos, a nossa capacidade de nos comunicarmos analogicamante. Essa linguagem é que nos permite observar o inefável, a imaginarmos o subjetivo, o não concreto e o abstrato.
A cibernética que tem sido um poderoso instrumento para o enriquecimento da cultura humano é, por outra lado, uma via sem volta para o empobrecimento do 'feeling", da capacidade de sentir o inefável desse próprio homem. Daí, as relações modernas, quase sempre, serem "biossintezidas", "plásticas", "voláteis" e "robotizadas".. O que acontece é que estamos perdendo a capacidade de sentir o "outro dentro de nós". Estamos reduzindo a nossa convivência, enquanto seres comunitários, ao mínimo possível. Mesmo quando em um mesmo ambiente profissional, por exemplo, separados uma pequena "baia", preferimos a linguagem digital à dialógica. Triste constatação!
Não estou advogando o banimento da linguagem digital, pelo contrário, penso ser esse modelo de comunicação indispensável para o progresso do homem em sua destinação histórica de conquistar sua sobrevivência e as distâncias que separam os ideais dos humanos de serem uma "grande aldeia global".
Por mais que a linguagem digital seja um indicativo da mente mais evoluída do homem do século XXI, por mais que seja tecnologicamente rica e complexa ela não contempla a riqueza do toque, do sorriso, das expressões fisionômicas como realiza a linguagem dialógica. Um exemplo claro é o modo como os bebês absorvem esse tipo de linguagem que provoca "conhecimento" imediato, intuitivo e espontâneo. E quando ele é falto o "rombo" que  provoca em todo a sua vida é irremediável. Só esse tipo de linguagem poderá dar ao homem a plenitude de um relacionamento saudável nas suas mais diversas interações. Senão, como surdos e mudos se humanizariam, e com que sinais os analfabetos se comunicariam e as crianças cresceriam emocionalmente? Há, nesses casos, alianças e acordos não digitais que os capacitam e desenvolver e crescer em toda a sua humanidade. Através dessa linguagem analógica é que se  permite  toda troca de muxoxos, expressões faciais, movimentos, signos e todas as outras expressões de uma linguagem totalmente  construtora de sua antropologia que busca no homem sua individuação.
Foi exatamente a linguagem dialogal o fator facilitador, também, da própria linguagem digital e binária. E, s essa linguagem (a dialogal) que possibilitou o homem essas tremendas conquistas não for "reativada com carga máxima" é possível que haja, em pouco tempo, uma completa desorientação entre os "linguajantes" - e isso seria o caos  completo no ambicioso projeto conquistador e exploratório da irrefreável curiosidade humana. Nós -os humanos- só poderemos nos manter vivos se mantivermos vivas as nossas mais variegadas formas de nos comunicarmos. Sem linguagem não há vida!
Certamente compreendo que se, em detrimento de uma linguagem, valorizarmos, excessivamente a outra, perderemos grande parte de nossos valores inconscientes, individuais e coletivos que só são como são, quando intercambiáveis com quais estabelecemos acordos, às vezes secretos, produzimos fantasias, criamos nossas defesas, autoajuda, conciliações, cooperação fatores tão fundamentais para os padrões de comunicação e para manutenção dos fundamentos de nossa saúde física, mental e espiritual. O homem é o que fala...

Cícero Brasil Ferraz  







19.4.13

O MAGNICÍDIO

 O poder criativo do homem chamado pós-moderno parece-me, em primeira plana ter morrido ou, então, no mínimo, atrofiado. Ou ele não nasce ou, se nasce, não se desenvolve dado infertilidade do solo intelectual que o tem originado. Não se vê mais um novo filósofo jovem ( e não me diga que só a idade faz  sábios, pois que, a única coisa que idade sabe fazer é o velho); não se vê mais alguém sobressair  de entre as massas. A mediocridade ( o padrão médio) como déspota subjuga-nos a todos ao lugar-comum, ao esperado, aos clichês e ao senso comum.
Não creio que o homem do séc. XXI seja menos inteligente do que os do séc. XX ou do XIX e nem ao do séc. V a.C. Creio, isso sim, numa cultura de massa na qual o Eu Ideal (ichselbst) se tornara totalmente inibido por um virtual "eu-total". Esse "eu-total" é o da burocracia, da administração, da dominação e o da subjugação do Eu-Ideal em favor do ideal sem identidade própria, que hoje chamamos de "eu" da cultura globalizada ou globalização do "eu" sem cultura, conquanto cheio de informações.
O ambiente próprio onde cresciam os gênios: a autoridade individua do pai, o carinho específico e particular da mãe,e relação estreita com o pequeno grupo de irmãos ( o velho ninho que agasalhava os princípios da hierarquia e o respeito às individualidades), deu lugar ao processo massivo da "desindividualização" dos homem, promovido pelo grande e avassalador "eu-global", ou seja, a individualidade deu lugar a "globalidade". Num grande curriculum não se exige mais um "eu" a partir  da individualidade e, sim, da "globalidade". A consciência moral e a responsabilidade pessoal degeneraram "objetivamente" sob as condições da burocracia total, dentro da qual é extremamente difícil atribuir-se ainda uma autonomia, pois é o aparato que imperiosamente determina a tal autonomia pessoal, pondo-se acima dela, "castrando" o desenvolvimento e a satisfação idealizadora da funções inatas da cada indivíduo.
O que acontece na área da falência da produção intelectual -mutatis mutandis- também se dá no campo das relações sociais:
Ficamos deprimidos e frustrados quando a mídia relata de forma tão crua e nua a banalização da morte. Na verdade, antes mesmo dessas mortes, outra mais hedionda aconteceu: a morte da individualidade. Quem morre agora não é mais um indivíduo e, sim, uma insignificante e minúscula parte do grande "eu-global"; e quem pratica o crime também não se sente responsável, enquanto indivíduo, visto que ele também nunca foi "observado" (querido) como indivíduo, a ele não se deu a importância que um Eu-Total tem como criador de um construto social. Tudo é banal quando o indivíduo não se sente parte, enquanto indivíduo, da construção do todo.
Como a grande burocracia global tem tentado "anestesiar" a incapacidade desse homem pós-moderno de criar e, por outra lado, o seu grande poder de "descriar" (matar)?
A saída é antiga e eficiente: Pão e circo. A indústria do entretenimento entra nessa hora como o grande apanágio libertador da angústia de não-ser alguém. Como nada mais pode ser personalizado, nada mais justo do que criar o entretenimento também de massa. E assim, no meio da massa, o Eu novamente é empanada pela "inteligentsia" do aparato burocrático. Novamente ele perde o seu valor intrínseco dando lugar ao eu-global.. É a total e absoluta privatização da individualidade, do poder criativo de um eu consciente, da capacidade de se autoenxergar como alguém e não como massa de manobra de "eu" que não o seu "Eu-Total". Daí a grande esquizoidia que afeta em pequena, média ou grande medida a todos nós.
Cícero Brasil Ferraz

4.4.13

"DEUS ESTÁ MORTO" (?)

                                          
                                                       "DEUS ESTÁ MORTO" (?)

Quando Nietzsch (1844-1900) "profetizou" que Deus estava morto, os pensadores da época e também o vulgo, que acessavam  seus escritos, imaginaram que o discípulo de Zaratrusta (ele próprio), estava a vaticinar a vitória apocalíptica do ateísmo e que destronava de vez, assim, o eclesiocentrismo medievo. Tredo engano! Não era que estava a pregar.
O que, para além disso, filosofou, e com toda a razão, é que Deus morreu porque ele não era mais necessário; no mínimo, quanto ao máximo, se tinha sido no passado um bem, era-o, agora, em sua época, um bem totalmente desnecessário. Em outras palavras: Até então, quando o homem tinha necessidades fisiológicas ou questionamentos filosóficos buscava encontrar respostas no campo da metafísica e no mundo da fé. Então, "o homem adulto e iluminado" (filho do iluminismo) encontra, muito além de uma fé infantilizada, a razão como resposta última para as sua mais patentes carências e para os seus mais latentes medos. A razão, assim, se tornou o fanal que levaria o homem moderno por entre as vagas inconstantes da história a um, por fim,  porto seguro. Deus "morreu" porque foi substituído; enfim, abandonado.
Quando dizia que "Deus está morto", estava fazendo, na verdade, uma crítica sardônica ao homem moderno que substituiu o Deus da metafísica por um outro deus: a razão. Se o Deus da metafísica não levou o homem a nada, para muito aquém, também, o deus-razão. Tinha com back-ground o mesmo contexto  que fizera explodir a Primeira Grande Guerra, um pouco mais tarde É o que ele chamou de niilismo: um homem sem Deus e com uma razão inócua, no que tange a solução última do desespero humano. A razão não podia ser beatificada como mensuradora infalível da medida e do sentido de todas as coisas. Os eventos posteriores  denunciariam a razão como um deus fragilizado e impotente. Novamente havia um deus morto. Isso é a essência do seu niilismo (nadismo?). Nietzsch realmente tinha razão: Deus havia morto.
O que esse homem moderno, livre do "infantilismo da metafísica" imposto pela Igreja havia alcançada com esse novo deus senão genocídio, fome, pestes e tantos outros monstros que assombravam a humanidade e que o novo deus não também não vencera, embora houvesse prometido uma nova ordem, um novo tempo e uma nova humanidade.
A razão - no sentido em epígrafe- desmoralizada daria, então, um rebento ao mundo, que ainda hoje chamamos de ciência. Ela, a ciência, filha do racionalismo, seria, uma nova divindade que certamente daria a tão sonhada autonomia a esse homem moderno. Ela não somente observaria os fatos, para dar-lhes racionalidade, como fizera a razão, mas iria interferir no homem, na natureza  e prometia trazer uma época de cura para todas as patologia ( doenças, pestes e epidemias) e, também, riqueza no campo (vencer o grande leviatã da história humana, a fome). Essa mesma deusa foi genitora de Segunda Grande Guerra e da descoberta da bomba atômica. Aliás, o maior desastre que a mente humana pode criar.( Ainda bem que Nietzsch não estava vivo para ver isso).
Mais uma vez frustração: Um deus que não tem todas as respostas para todas as necessidades humanas. O homem moderno errou em curvar-se incondicionalmente diante desse deus. Nem sempre somente aquilo que é verificável e quantificável é verdadeiro. Se a ciência se prende somente àquilo que é verificável e quantificável ela poderá (como foi) ser surpreendida e confessar-se muito limitada. Esses aspectos da verdade não existem sem outros movimentos pré-reflexivos, apriorísticos e não raras vezes inconscientes. Muito antes de conhecermos cientificamente as verdades, somos conhecidos. Não sabemos de um tanto de " razão que a nossa razão desconhece" Pascal (1623-1662) e que, por conseguinte, a ciência jamais poderá alcançar.
É óbvio que o leitor acostumados aos meus textos sabe que sou plenamente a favor da pesquisa, do desenvolvimento tecnológico sustentável e do avanço intelectual da humanidade. Só não posso me conformar que esse tão pouco tudo da ciência dite, em nome de uma verdade toda, a ética e os contornos anímicos da humanidade. Só para mencionar um exemplo, a ciência não tem direito de levar, a toda e qualquer consequência, o avanço no campo da genética. Pode chegar a um ponto em que a ética deverá bradar: daqui para frente, não!
Aqui chegamos:
Os. Migrantes da Terra. Tão transcendentais! Será que não podemos chegar a uma transcendência que dê sentido último ao nosso conhecimento? Ou a uma fé que ilumine a nossa desgastada razão?

Cícero Brasil Ferraz










COMO SE TORNAR "INTELIGENTE"



Se você leu primeiro o título em epígrafe e não o seu conteúdo, é possível que lhe tenha soado  como um certo tom de pedantismo escolástico ou com um certo ar professoral de um enciclopedista. Na verdade, se o fiz, foi exatamente porque tem sido o meu próprio caminho para mundo do saber. Sou uma pessoa muito limitada. Aprendi a ler aos nove anos de idade. Talvez, devido a uma hiperativivdade ou, ainda, quem sabe, por uma taquicinesia qualquer. Aprendi mais tarde a gostar de ler e me afeiçoei às riquezas idiossincráticas dos fonemas do nosso vernáculo e das de outras sonografias étnicas.
Portanto, muito mais do "dar uma aula", quero tão somente facilitar, talvez, a sua caminhada no longo e pedregoso caminho do saber. Creio que o mais ignaro dos homens é aquele que nunca se perguntou porquê ainda não sabe; ou aquele que pensa que o que ele é sabe é tudo que todo mundo necessitaria saber. Conhecer é ralacionar-se; relacionar-se com seres humanos, animais e com coisas inanimadas. Algumas "são" e outras somente "estão" lá; tanto aquelas como estas são dotadas de conteúdos riquíssimos que esperam de "braços abertos"  o nosso refrescante mergulho para, depois, então, sairmos de lá encharcados e lambuzados do "novo saber".
Para tanto, contudo, necessitamos dilatar os nossos sentimentos. Só raciocinamos sobre aquilo que nos chama atenção; então, o quanto mais formos dispertos para movimentos "estranhos" (desconhecidos) dos homens, da natureza, dos fatos históricos quanto mais teremos que criar novos caminhos, para novas sinapses.Esse "movimento emocional" (inteligência emocional) nos levará peremptoriamente ao "movimento racional" (inteligência racional ou analítica).
Ainda há, sem dúvida, o saber do mundo da arte, da criação, das genialidades (inteligência espiritual). Até isso podemos "aprender". Geralmente esses "insights" (e isso tenho ouvido em muitos depoimentos desses gênios) "aparecem" depois de grande tensão na busca de um saber desconhecido. É na "tensão" - e somente na "tensão" - é que as ideias aparecem, só que difusas e desconectadas; novas, mas assimétricas. Como o esgotamento é intenso, a mente é "obrigada" a repousar (relaxar) e é aí - exatamente aí, no ócium - que, o que já existe como essência, assume a forma de existência consciente. Ou seja, o trablho do gênio se distribui assim: noventa por cento de "transpiração" e dez por cento de "inspiração". Talvez você não possa ser um gênio, mas poderá, pelo menos, copiá-lo; então você o será.
Depois deste breve enunciado, vamos às dicas:

1. Comece a ler e a se interessar por coisas e assuntos que estão além de sua compreensão.
No começo a sua apreensão será mínima para depois, então, essas mínimas partes que vão se ajuntado, a medida que você repete o exercício,  formam um dégradé e, logo, o conhecemento "brotará" sem nenhum aviso ou "ordem" objetiva, como um mosaico integrado;

2 Só esse novo conhecimento poderá levá-lo a outros novos saberes, reservados somente aos "iluminados";

3. Comece a observar e a memorizar o modo que aquela (s) pessoa (S) que você julga inteligente enxerga e explica coisas, fatos, acontecimentos e costura seus ideais;
Quase sempre ele enxerga com eloquência e grita com os seus olhos.

3. O gozo de aprender só existe no conhecimento do novo, aquele que não está no nível de sua compreensâo imediata; essa compreensão imediata é um privilégio das inteligências "in natura";

4. Amplie seu vocabulário porque uma boa linguagem vernacular é, antes, intralinguagem.
 O saber só é verdeiramente compreensível quando o seu portador o explica a si mesmo pela intralinguagem. Somente as suas palavras podem convencer o falante que ele tem razão.

5. Todo conhecimento do sujeito quer explicar aquilo que, no máximo, existe de real no objeto; quer ver, explicar, sentir o objeto dentro de si para depois, então, "vomitá-lo" para o fora de si, onde o conhecimento lhe é autoexplicado;

6. Use instrumentos (microscópio, computadores, por exemplo) para uma boa propedêutica; eles lhe forçarão a aprofundar e ampliar os seus "insights";

7. Veja os nomes dados às coisas não só como nomes e, sim, como tipologias;
Ex.:  Quando a palvra "homem" é lançada, a que ou em que contexto, esse "homem" está preso? Em que saber ele é colocado? Em que área do conhecimento se referem a asse homem? O "homem" de Karl Marx não o mesmo "homem" de Freud ou de Buda, por assim dizer.

8. Enfim, só podemos compreender bem as coisas quando pudermos explicá-las bem.

 




4.3.13

O GRANDE RISCO

Relacionar-se com alguém exige coragem social. Falo isso por que, embora sejamos seres gregários e, portanto, necessitados de viver em “tribo” para a própria formatação do indivíduo como indivíduo, através experiências amargas da vida e, portanto, desde o abandono primal, necessitamos de precaução e cuidado ao viver com esse “outro” de que tanto carecemos. A isso chamamos de “medo da vida”.
Dessarte, para “viver” é necessário “temer”. Seja o medo de viver por si mesmo, seja o medo de ser “outra vez” abandonado (como fomos abandonados pelo útero da nossa mãe, seu seio e, por fim, por seu colo) ou, ainda, medo de depender de alguém. É nessa angústia paradoxal do “preciso”, mas, “não devo me entregar tanto” é que partimos para os nossos “encontros da vida” onde todo o nosso universo relacional se encontra sobre o alicerce paradoxal do medo. E por ser paradoxal, não é contraditório é, antes, funcional e promotor das relações minimamente saudáveis. Contudo, para nos realizarmos enquanto “eu espelhado”, (um “eu” em relação ao “rosto” do outro) precisamos enfrentar esses temores, e ter consciência de que, para crescer, não basta sermos nós mesmos, mas é preciso participar da individualidade do outro ou, então, permitir que essa individualidade nos penetre; sem o que muitos outros medos, podem se apoderar de nós principalmente: o de sermos completamente absorvidos pela individualidade do outro, o medo de perder a nossa individualidade, ou ainda o medo dessa alteridade nos roubar a nossa independência. Na verdade, em última análise, um pouco disso ocorrerá – a questão é o quanto somos nós mesmos para suportarmos o peso de um “totalmente outro” entrando pelas células da nossa intimidade e, mesmo assim, sairmos mais saudáveis, humanos e socializados desse “fascinante e tremendo encontro”.
Muitas das nossas fobias sociais e todas as suas comorbidades advêm dessa divisa: temos muito mais dúvida do que somos do que convicção daquilo que queremos; ou seja, será que queremos jogar um jogo tão arriscado assim? Vale a pena, na busca da intimidade relacional, correr o risco de perder a independência, ainda que infantilizada e fóbica? Vale a pena ser mais solitários que solidários? Mantermo-nos afastados do “interior da vida fechada” dos verdadeiros “acontecimentos”, conservar a nossa superficial paz de espírito ou vivermos “entre muita gente” solidária e engajadamente identificando-se com o “outro” em todas as suas instâncias?
Como seres criados “para”, não encontramos tudo o que precisamos de humano em nós mesmos. Nosso destino, bem como o estímulo vão para o prazer funcional que está no fato de realmente conhecer e conviver com alguém – ainda que nos seja doloroso e arriscado. Toda pessoa madura já passou por esse caminho correu esse risco, e colheu os seus frutos.
Por medo, muitos corajosos mas, psicologicamente infantis exibiam coragem física, instintiva e animal, ao invés de se deixarem conhecer fogem, quando agridem, machucam e matam.
Aqueles que têm “coragem de ser” (Paul Tilich) se deixaram viver e se deixaram morrer em favor de um “outro” qualquer ou de uma verdade. Quem tem autonomia sobre a sua vida tem-na também de sua morte. Essa é a ultima coragem a única verdade e a razão do “tudo da vida”. E eu, nunca vi ou li sobre alguém, que se arriscou a esse ponto, ser infeliz ou decepcionado com a vida porque assumiram esse risco de viver no absoluto de si-mesmo, em busca de uma vida mais rica ao encontrar o seu próximo com toda sua riqueza individual. E o melhor é que essa percepção não é in abstracto e, sim, uma fusão dinâmica interacional e imediatamente social.

19.2.13

O IMPÉRIO DA MORTE


O artista morreu.

Esta frase isolada pode nos parecer aleatória ou simplesmente uma mera opinião fortuita. Mas se levarmos em conta o que a arte, seja ela qual for não é, a priori formulada, mecânica, uniformizada e, sim, "irracional", original, inconsciente, para depois, simples, compreensível, racionalmente provável- "que estava ali e eu não vi"; algo que ilumina, encanta, beatifica e plena de gozo então, assim, a frase em epígrafe ganha contornos de um truísmo que pode nos abalar.

O que fariam- vindo com raciocínio pelo avesso- artistas como Platão, Arquimedes, Jesus Cristo, Santo Agostinho, Anselmo, Francisco de Assis, Locke, Shakepeare, Picasso, Von Gogh, Mozart, Chico Buarque e tantos outros luminares da humanidade, em uma linha de montagem de uma indústria do nosso mundo moderno? O que esses artistas “criariam”? O tempo para performance, certamente, lhes roubaria todo e qualquer tempo para a “arte”. Vivemos em um mundo mecanizado demais para esse tipo de excelência. Não dá para afirmarmos, por exemplo, “como é ‘elegante’ e ‘charmoso’ este computador”; e nem para exclamar: “esta nova panela de pressão tem precisamente a ‘aura’ de uma deusa”. Isso por que a potencialidade das profundezas da mente - berço da arte- não se adapta à tecnologia essencial do nosso mundo. Os indivíduos desacostumados com o contato, com o que é de mais transcendente no mundo, a arte, colocam ferramentas e aparelhos precisos entre o seu eu e o mundo do inconsciente. Protegem- se assim contra a ameaça assustadora daquilo que não se pode explicar, manipular ou controlar. É uma espécie de mecanismo de defesa contra a vastidão do ser que há nele e que não consegue conceber. Os impulsos do espírito são ricos e incontroláveis. Desde o iluminismo (e olha que eu não sou contra a razão), passando pelo mundo das fábricas (Revolução Industrial) até o mundo da ciência (Era Moderna), aos poucos, os artistas vem morrendo e morrendo até o séc.XXI, onde sucumbiram.

Pergunto: Como as grandes descobertas que hoje são usadas pelas ciências: física, química, médica, nasceram? Não foram quando a liberdade do pensamento saiu do controle do próprio pensador? Nasceram sim, por elas mesmas, quando esses artistas deram rédeas a imaginação e sua capacidade de transcender. Se roubamos isso dos homens, em troca da mecanização do mundo, a própria ciência não entrará num estado de exaustão? Será que teríamos no futuro alguém como Einstein (Teoria da Relatividade) ou Heesenberg (o princípio da indeterminação)? Pois são eles que não deixam o mundo parar, apodrecer ou morrer. O “encanto” do mundo “inclusive do mundo racional” está nas mãos dos artistas. Tudo o que é hirto, plástico, mecanizado e morto se sente grandemente desconfortável na presença de um artista. Só a espiritualidade da arte é capaz de matar a necrolatria; só os poetas, inventores, artistas, escritores e músicos podem corroer as mesmices e as conformidade e derrubarem as ditaduras políticas, tanto que, quase sempre, o primeiro ato de um ditador é expurgar os artistas e intelectuais de um modo geral.

“DEUS, POR FAVOR, RESSUSCITE OS ARTISTAS!”


4.2.13

A ÚLTIMA SOLIDÃO

   
Um dos sentimentos mais paradoxais do homem da "polis" é o seu sentimento de solidão. Essa experiência é uma das mais poderosas e valiosas para a construção de um "self" independente e suficientemente capaz de se relacionar com o "outro", em quaisquer circunstâncias do seu mundo relacional, de forma responsiva e construtuiva. É nesse "ocium" que ele se deixa ser como um "eu" puro, livre das expectativas utópicas e projetivas dos "de fora", quase sempre deslocadas, infantilizadas e atrofiadas de seu mundo imaturo.
Por outro lado (aqui se encontra o nó górdio do paradoxo),conquanto essa solidão, que chamo de última, seja um caminho vigoroso, adstringente e que torna o seu objeto "gente grande", plenamente individuado é, também, por ser o homem genotipicamente gregário, um sentimento dos mais aterrorizantes, porque obriga o seu protagonista ao mais desagregador sentimento de auto-exclusão, de um angustiante abandono em-si-mesmo. Isso se dá porque o homem nasceu "para", e nessa solidão não existe uma relação objetal "para", mas uma "em-si", o "eu" com o "eu" mesmo, no mais desmistificado "site" da alma. É nesse locus que ele enfrenta seus imensos e antigos fantasmas, derruba seus altares da iconolatria e se torna, de fato, o maior herói de suas batalhas; deixou o status de observador de sua história para ser o seu mais apaixonado escritor.
Nessa hora até a sua votória é sofrida; por ser só dele e para ele, não precisará de compartilhá-la com ninguém. Se fizer um discurso sobre essa façanha só ele mesmo vai entender; e se houver um laivo de alegria, ela voltará imediatamente para dentro dele mesmo. A vitória sobre o "caos" é exclusivamente sua. Nessa hora não haverá grupos de interesses, amigos com quem compartilhar; ela foi empreendida na na última solidão, portanto deverá ser absorvida somente pela mais solena companhia, o "em-si-mesmo". Ele venceu a sua solidão, portanto nunca mais estará sozinho. Está pronto para amigos e amores; pronto para todos os sabores; capaz de penetrar galhardamente nos tantos mundos dos "outros", aliás, ninguém pode ser boa companhia para ninguém se ainda  não aprendeu a ser um bom amigo de si-mesmo. O que ele buscava no "outro" - desejos infantilizados, deslocamentos pulsionais da infância recalcada - para harmonizar o seu mundo, foi superado pela "coragem de ser", ao se recolher  consigo mesmo, pela sua mais poderosas reconciliação.
Agora sim! Ele poderá ser um bom amigo, um ardente amante e um fiel companheiro; poderá vivenciar e trocar com os "outros" energia e sinergia  do seu ubérrimo mundo relacional, oriundo da sobrevivência caótica a que se submetera, até o enfrentamento de sua última solidão. O fracionamento esquizóide do seu "ser" encontrou uma centralidade, um senso de totalidade e um propósito "fora" de si mesmo na busca de relacionamnetos desintreressados, somente focados na riqueza do "outro", simplesmente pelo fato do ser "o outro".
Ir para essa solidão é encontrar-se; voltar dessa solidão é a certeza de que sempre existirá alguém.

Cícero Brasil Ferraz

19.1.13

PLIM! PLIM! - ISSO É TUDO?

Desculpem-me leitores pelo meu desabafo. Sera que a TV não tem nada mais para colocar em pauta ou mais nada para se discutir nos seus horários nobres? Será que o único fenômeno que acontece em nossa República Tupiniquim são esses clichês - tábula rasa - das relações multiafetivas que travestidas de "assim (como se fosse só assim) é a nossa sociedade"? Será que não há mais nada que ser tratado dentro do escopo "o que fazemos é só repetir o quotidiano da nossa gente"? Será que as doenças endêmicas que caracterizam países atrasados, a ignorância alfabetária, o poder pecuniário mantido à custa da pacividade dos contribuintes, a pobreza e a mendicância não são, também, algo recorrente no reflexo social que espelha a realidade brasileira, e que merecem o mesmo status? Será que a vida nossa de cada dia não é muito mais do que aquilo?
Não nego - sou psicanalista - que a libido é uma energia fundamental na constituição da vida humana e sua mais diferentes manifestações de beleza, critatividade e de todas as variegadas produções do engenho da criatividade humana, mas dizer que a vida e suas complexidades "é isso; só isso" é um reducionismo que guarda no seu "back ground" outros interesses que, talvez, nem nos damos contas; é no mínimo um exagero; ou é uma falta de criatividade totalmente intencional. Definitivamente: esse não é  todo o espectro da nossa sociedade.
A próxima questão que se segue é: Por que há tanto interesse que somente essa situação da vida (zeitgeist) seja tomada como se fosse toda a vida assim; só assim (sitz im leben)?
Toda força instintiva, tal como  religião, sexualidade, defesa do self e preponderâncias narcísicas em geral  são forças obsedantes, narcotizantes. Por elas - como soe acontecer nos meio religioso, mormente no meio neo-pentercostal - é possivel manipular consciências incautas, gente sem distanciamento crítico ("idiot savant"), inocentes úteis e analfabetos funcionais como azêmulas encabrestadas, guiadas por velhos interesses que teimam subsistir à custa do "assim é a realidade; tudo; o que fazemos é apenas refletir o que na verdade somos". Essa gente manipuladora é apenas revisora de parte de história, mas que jamais move uma palha para transformá-la. Usam essas forças instintivas como se fosse uma espécie de "boa noite cinderela" do corpo social (depois de sedação, tudo é possível), "puxando" essa grande massa acéfala para a acriticidade quando não, para juízos de subsistência primária.
Esse reducionismo televisivo é simplesmente medievo. Tal como os detentores do saber dessa época reduziam toda a vida ao campo da religião (eclesia legisla causa finita), os globais reduzem-na a feixes libidinais como se só isso controlasse "todo o universo das afeições humanas". Países desenvolvidos da Europa (Alemanha, Suiça, por exemplo) já abandonaram há muitos anos esse tipo de apelo primitivo, na busca do controle da (in)consciência, do poder político e pecuniário. Deixaram de prometer o céu através das utopias narcotizantes para, na realidade histórica, criar um Estado de gente culta, crítica e realizada.
Parece-me - e eu gostaria de estar rotundamente errado - que quanto mais  as relações erotoafetivas forem desafeiçoadas, descomprometidas e superficiais entre e intra-gêneros, mais o produto-global pode ser popularizado, absorvido e consumido. Modelo que o homem - falo aqui do mais primitivo-já descobriu como pobre e insuficiente para pessoas de qualquer uma tribo, que pelo menos quer ter consciência de seus membros, enquanto indivíduos pertecentes e pertencidos ao mundo dos "sapiens".
A quem interessa, então, a poligamia, a traição covarde, a homoafetividade, a superficialidade dos "affairs', a quebra dos paradigmas de gênero, a igualização dos diferentes e a falsa sensação que o "mundo todo é assim; tudo é assim; é só assim": uma troca de fluidos corpóreos"?
Esse é o "narcótico global" aplicado na veia dos brasileiros todo o dia, o dia todo... durma com essa vidinha; durma com essa tevezinha; durma "com esse barulho" : PLIM! PLIM!

Cicero Brasil Ferraz




4.1.13

RÔMULO E REMO - DO ESTRANHO AO DIFERENTEE

Desejo tratar neste texto de uma questão que foi endêmica até bem pouco tempo e que, com a desfronteirização do mundo, tornou-se epidêmica: A presença do Outro que não da nossa "crew" ocupando o espaço físico, econômico, cultural os quais não lhe pertence. A impasse não está somente no âmbito físico, como por exemplo, um muçulmano usar véu na França, um brasileiro sambando de forma impúdica na conservadora nação yankee ou, até mesmo, um boliviano falando em quechua - para não ser entendido - dentro de um metrô em São Paulo; com agravante de todos esses "xenos" residirem e domiciliarem nesses lugares.
Aqui a pergunta: Até quando o estranho é só diferente?
O mundo cada vez mais "plano" (sem curvas e sem fronteiras) exigirá dos sociólogos, políticos e macroestrategistas uma resposta mais fina e precisa a essa questão "do estranho versus o diferente", ou seja, criar fórmulas globais que abranjam, como princípio, todas essas convulsões, que num futuro bem próximo, serão universais sob pena de, se esses "ultra-modelos" não serem costuradas, gerar uma hecatombe social em nível mundial.
Essa discussão ganha peso considerável quando os países árabes e africanos emergem do fundo tartárico das muitas ditaduras ali vitalícias, até então, para uma possível liberdade, o que propicia uma oportunidade daquela gente, de alguma forma, "ir e vir" na busca  do "tesouro" em "terras d'além mar".  Assim, exumados de suas culturas, trazem para o mundo de fora, em seu "ethos",  tudo que na sua realidade e cosmovisão existe, para dentro de uma outra cultura, quase sempre estranha ao seu "sitz im leben" original.
Trazendo essa realidade psico-social para o microcosmo, essa questão levantada acima afeta famílias e indivíduos. O comportamento dos novos residentes será um misto do mundo de origem com o do novo mundo; os filhos serão "híbridos" e, por, no mínimo, duas gerações futuras, os então filhos da terra trarão as marcas da estranheza em sua própria terra. Durante algum tempo, será difícil para as leis internas, magistrados, professores e igrejas traçarem um perfil da diferença daquilo que é diferente em face do que é estranho.
Estou, a esta altura, tratando não só do comportamento individual, mas também de conceitos que constituem mesmo os alicerces da individualidade desse cidadão e de sua destinação como agente histórico na formatação do seu espírito gregário. Assim: Tudo que é estranho o é apenas por algum tempo? Ou haverá estranhos que nunca deixarão de ser diferentes?
Algumas tribos mais antigas resolveram essa dúvida - até quando o estranho é diferente e vice-versa - por uma orientação antropofágica, devorando a todos que, por não lhes serem comuns e que  ameaçassem a sua identidade tribal, ou que, ainda, ao se misturarem, pudessem "manchar" a sua pureza fenotípica. Dessarte, quando o estranho era devorado, se metabolizava em força e energia dentro do antropófago. Assim o estranho não só desaparecia como, também, se tornava um subtecido do seu próprio "self'. É o que poderíamos chamar de "estratégia de assimilação tribal": Tornar um estranho em diferente e, ainda, o diferente em semelhante; um seu "comum". Foi o modo encontrado de dar perpetuidade ao grupo, mantendo inalterados e intactos  seus costumes e sua crenças tribais  por séculos.
E quando "um de dentro" se tornava estranho? A solução era "antrocatártica"; ele era "vomitado", banido dos limites do mundo ordeiro e impedido de toda a comunicação com os do "lado de dentro'. Os xamãs eram os "magistrados" que sentenciavam e faziam valer o processo de exclusão.
Hoje algumas atitudes "tribais" são tomadas por aqueles que se intitulam atores de um Estado moderno. É aquilo que chamaria de "destruição criativa", quer seja, uma eliminação cultural:  Deve-se "absorver" o culturalmente rejeitado (pobres, pretos e prostitutas) que não se encaixam no nosso estamento (antropofagia?) ou, então,  jogá-los em presídios subterrâneos até que morram (antropocatarsia?).
As nossas "personas" de modernos só fazem esconder a nossa velha ânima primitiva. Sofisticamo-nos sem, contudo, crescermos enquanto homo sapiens. A proposta do Estado moderno não nos livrou dessa xenofenotipia. Ele não tornou, nada obstante, uma firme posição contra a identidade xenófoba que impede o diferente e  estranho se tornar um igual na grande tribo global dos tempos modernos.
Faz-se necessário, então, que estruturas tanto em nível micro como em macrocosmo sejam dotadas de suficiente elasticidade e solidez para resistir a todas as incursões do individualismo e, assim, esse Outro possa sobreviver ante a toda escolha exclusivista  (terreno fértil para o crescimento de ditadores e genocidas) e  que, também, ao mesmo tempo, possa dar a cada indivíduo uma oportunidade pessoal para somar forças com o conjunto de realizações circunstanciais que, duras como uma rocha, baseadas em certezas, possam ser racionalmente calculadas e objetivamente avaliadas, e tenazmente historificadas. Ergo, a capacidade individual gerará um tecido social novo, a partir de costumes estranhos e diferentes no encontro  com o nativo, produzindo como síntese uma sociedade pluriparental, forte e nova.
O estranho romperá limites, o diferente as fronteiras das possibilidades esquecidas; irá do estranho que burla ao diferente que modifica; do estranho que assusta ao diferente que integra.
A resposta na busca do diferente não ser um estranho é transformá-lo em um semelhante, o que passará pelo modo como humanizamos as nossa relações com o Outro; ninguém pode ser justo se antes não for humanitário.

Cícero Brasil Ferraz