Um dos sentimentos mais paradoxais do homem da "polis" é o seu sentimento de solidão. Essa experiência é uma das mais poderosas e valiosas para a construção de um "self" independente e suficientemente capaz de se relacionar com o "outro", em quaisquer circunstâncias do seu mundo relacional, de forma responsiva e construtuiva. É nesse "ocium" que ele se deixa ser como um "eu" puro, livre das expectativas utópicas e projetivas dos "de fora", quase sempre deslocadas, infantilizadas e atrofiadas de seu mundo imaturo.
Por outro lado (aqui se encontra o nó górdio do paradoxo),conquanto essa solidão, que chamo de última, seja um caminho vigoroso, adstringente e que torna o seu objeto "gente grande", plenamente individuado é, também, por ser o homem genotipicamente gregário, um sentimento dos mais aterrorizantes, porque obriga o seu protagonista ao mais desagregador sentimento de auto-exclusão, de um angustiante abandono em-si-mesmo. Isso se dá porque o homem nasceu "para", e nessa solidão não existe uma relação objetal "para", mas uma "em-si", o "eu" com o "eu" mesmo, no mais desmistificado "site" da alma. É nesse locus que ele enfrenta seus imensos e antigos fantasmas, derruba seus altares da iconolatria e se torna, de fato, o maior herói de suas batalhas; deixou o status de observador de sua história para ser o seu mais apaixonado escritor.
Nessa hora até a sua votória é sofrida; por ser só dele e para ele, não precisará de compartilhá-la com ninguém. Se fizer um discurso sobre essa façanha só ele mesmo vai entender; e se houver um laivo de alegria, ela voltará imediatamente para dentro dele mesmo. A vitória sobre o "caos" é exclusivamente sua. Nessa hora não haverá grupos de interesses, amigos com quem compartilhar; ela foi empreendida na na última solidão, portanto deverá ser absorvida somente pela mais solena companhia, o "em-si-mesmo". Ele venceu a sua solidão, portanto nunca mais estará sozinho. Está pronto para amigos e amores; pronto para todos os sabores; capaz de penetrar galhardamente nos tantos mundos dos "outros", aliás, ninguém pode ser boa companhia para ninguém se ainda não aprendeu a ser um bom amigo de si-mesmo. O que ele buscava no "outro" - desejos infantilizados, deslocamentos pulsionais da infância recalcada - para harmonizar o seu mundo, foi superado pela "coragem de ser", ao se recolher consigo mesmo, pela sua mais poderosas reconciliação.
Agora sim! Ele poderá ser um bom amigo, um ardente amante e um fiel companheiro; poderá vivenciar e trocar com os "outros" energia e sinergia do seu ubérrimo mundo relacional, oriundo da sobrevivência caótica a que se submetera, até o enfrentamento de sua última solidão. O fracionamento esquizóide do seu "ser" encontrou uma centralidade, um senso de totalidade e um propósito "fora" de si mesmo na busca de relacionamnetos desintreressados, somente focados na riqueza do "outro", simplesmente pelo fato do ser "o outro".
Ir para essa solidão é encontrar-se; voltar dessa solidão é a certeza de que sempre existirá alguém.
Cícero Brasil Ferraz
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