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30.11.13

O CÉU E O INFERNO DA LIBERDADE

O mundo está em crise. Aliás, a maior de todas as crises. Vivemos a descrença na esperança.
Desde o século V, até ao XVI o homem ocidental viveu sem crise, pelo menos aquela mais aguda em epígrafe. Quase como um anacoreta fugia da luxúria, da vaidade, das crises existenciais provocadas pelo império do "eu quero', em detrimento muitas vezes, do "eu preciso". Era simples, simplista e simplório. Praticamente nenhum deles sabia ler. A Grande Mãe, a Igreja, lia e pensava por ele. Todas as suas certezas estavam a serviço de algo que o desobrigava ter qualquer opinião ou tomar qualquer decisão em qualquer área do saber e do sentir, por estar sob a Égide das Alturas. Para o homem da Revolução Francesa que descansava, até então, na "libertação de Deus", a questão não era mais Deus e a liberdade mas, sim, Deus ou a liberdade. De Marx  a Bakunin; de Nicolau Hartmann a Sartre, sempre se tem colocado esse homem numa postura dialeticamente definitiva: Se Deus existe, o homem não é livre; se o homem é livre, Deus não existe.
No meu tempo de juventude - os revolucionários anos setenta - o ateísmo era pré-requesito para uma relevância intelectual que se opunha à alienação religiosa, ao mundo das regras sociais, à política econômica. Ser ateu era condição imprescindível de entrada para os portais do academicismo; e ser acadêmico, era ser livre. O ateísmo se apresentava como um postulado de modernidade e de maturidade intelectual. A linguagem gestual era o de dois dedos alçados ao ar, como que gritando, "paz e amor"!  E, ainda, os punhos em ristes, preconizando: " Trabalhadores de todo o mundo, uni-vos"!
O movimento hippie e a efetiva revolução do proletariado nos apresentaram o seu "new bean". Esse homem não era mais um cristão, servo de Deus, pelo contrário, era um Prometeu, o libertador dos deuses, inclusive do Deus cristão.
Esse homem iluminado (filho do iluminismo), concluiu que havia uma trindade maldita que deveria ser rejeitada, desconstruída e urgentemente reconstruída: Deus, establishment e o Estado. Esses modelos deteriorados deveriam passar pelo crivo fino, frio e infalível da razão. O Papa, o César e os Paradigmas não garantiam mais a certeza da liberdade. Desde o século XVI até ao XX, o mundo sofreu constante e irrefreável revisão. A partir do último quartel do século XX, até ao nosso, o XXI o homem desistiu de sua razão como conditio sine qua non  de liberdade, e não encontrou outro para substituí-lo. O última bastião de sua humanização se tornou em um fortuito prazer no seu último ícone, o Agora. Nada é permanente. Nada faz sentido. Nada é consistente. Nem mesmo a anarquia é alguma coisa. Não há um porquê em qualquer coisa ou em qualquer nada.
Com o exposto, talvez agora, se entenda um pouco, o porquê da quebra de todos os valores e paradigmas no século XXI que constituíram a história humana. O único paradigma que permanece é o de não ter paradigma. Algo como: "...é proibido proibir" ou, então, aceitar, indefeso, todos os conceitos construídos pelas sabedorias dos povos, durante séculos e séculos de história. Ou nada é a verdade ou tudo é a verdade que deve ser aprimorada, revisada e absorvida em todo tempo.
E assim, viver sem o peso de se definir, enfim, de se encontrar cara a cara com a história a todo tempo e que o torna responsável consigo e diante de si mesmo, tem sido, do homem pós-moderno, a fuga do Céu de Iaweh e a sua entrada no Inferno de Dante.

Cícero Brasil Ferraz       

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