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4.1.13

RÔMULO E REMO - DO ESTRANHO AO DIFERENTEE

Desejo tratar neste texto de uma questão que foi endêmica até bem pouco tempo e que, com a desfronteirização do mundo, tornou-se epidêmica: A presença do Outro que não da nossa "crew" ocupando o espaço físico, econômico, cultural os quais não lhe pertence. A impasse não está somente no âmbito físico, como por exemplo, um muçulmano usar véu na França, um brasileiro sambando de forma impúdica na conservadora nação yankee ou, até mesmo, um boliviano falando em quechua - para não ser entendido - dentro de um metrô em São Paulo; com agravante de todos esses "xenos" residirem e domiciliarem nesses lugares.
Aqui a pergunta: Até quando o estranho é só diferente?
O mundo cada vez mais "plano" (sem curvas e sem fronteiras) exigirá dos sociólogos, políticos e macroestrategistas uma resposta mais fina e precisa a essa questão "do estranho versus o diferente", ou seja, criar fórmulas globais que abranjam, como princípio, todas essas convulsões, que num futuro bem próximo, serão universais sob pena de, se esses "ultra-modelos" não serem costuradas, gerar uma hecatombe social em nível mundial.
Essa discussão ganha peso considerável quando os países árabes e africanos emergem do fundo tartárico das muitas ditaduras ali vitalícias, até então, para uma possível liberdade, o que propicia uma oportunidade daquela gente, de alguma forma, "ir e vir" na busca  do "tesouro" em "terras d'além mar".  Assim, exumados de suas culturas, trazem para o mundo de fora, em seu "ethos",  tudo que na sua realidade e cosmovisão existe, para dentro de uma outra cultura, quase sempre estranha ao seu "sitz im leben" original.
Trazendo essa realidade psico-social para o microcosmo, essa questão levantada acima afeta famílias e indivíduos. O comportamento dos novos residentes será um misto do mundo de origem com o do novo mundo; os filhos serão "híbridos" e, por, no mínimo, duas gerações futuras, os então filhos da terra trarão as marcas da estranheza em sua própria terra. Durante algum tempo, será difícil para as leis internas, magistrados, professores e igrejas traçarem um perfil da diferença daquilo que é diferente em face do que é estranho.
Estou, a esta altura, tratando não só do comportamento individual, mas também de conceitos que constituem mesmo os alicerces da individualidade desse cidadão e de sua destinação como agente histórico na formatação do seu espírito gregário. Assim: Tudo que é estranho o é apenas por algum tempo? Ou haverá estranhos que nunca deixarão de ser diferentes?
Algumas tribos mais antigas resolveram essa dúvida - até quando o estranho é diferente e vice-versa - por uma orientação antropofágica, devorando a todos que, por não lhes serem comuns e que  ameaçassem a sua identidade tribal, ou que, ainda, ao se misturarem, pudessem "manchar" a sua pureza fenotípica. Dessarte, quando o estranho era devorado, se metabolizava em força e energia dentro do antropófago. Assim o estranho não só desaparecia como, também, se tornava um subtecido do seu próprio "self'. É o que poderíamos chamar de "estratégia de assimilação tribal": Tornar um estranho em diferente e, ainda, o diferente em semelhante; um seu "comum". Foi o modo encontrado de dar perpetuidade ao grupo, mantendo inalterados e intactos  seus costumes e sua crenças tribais  por séculos.
E quando "um de dentro" se tornava estranho? A solução era "antrocatártica"; ele era "vomitado", banido dos limites do mundo ordeiro e impedido de toda a comunicação com os do "lado de dentro'. Os xamãs eram os "magistrados" que sentenciavam e faziam valer o processo de exclusão.
Hoje algumas atitudes "tribais" são tomadas por aqueles que se intitulam atores de um Estado moderno. É aquilo que chamaria de "destruição criativa", quer seja, uma eliminação cultural:  Deve-se "absorver" o culturalmente rejeitado (pobres, pretos e prostitutas) que não se encaixam no nosso estamento (antropofagia?) ou, então,  jogá-los em presídios subterrâneos até que morram (antropocatarsia?).
As nossas "personas" de modernos só fazem esconder a nossa velha ânima primitiva. Sofisticamo-nos sem, contudo, crescermos enquanto homo sapiens. A proposta do Estado moderno não nos livrou dessa xenofenotipia. Ele não tornou, nada obstante, uma firme posição contra a identidade xenófoba que impede o diferente e  estranho se tornar um igual na grande tribo global dos tempos modernos.
Faz-se necessário, então, que estruturas tanto em nível micro como em macrocosmo sejam dotadas de suficiente elasticidade e solidez para resistir a todas as incursões do individualismo e, assim, esse Outro possa sobreviver ante a toda escolha exclusivista  (terreno fértil para o crescimento de ditadores e genocidas) e  que, também, ao mesmo tempo, possa dar a cada indivíduo uma oportunidade pessoal para somar forças com o conjunto de realizações circunstanciais que, duras como uma rocha, baseadas em certezas, possam ser racionalmente calculadas e objetivamente avaliadas, e tenazmente historificadas. Ergo, a capacidade individual gerará um tecido social novo, a partir de costumes estranhos e diferentes no encontro  com o nativo, produzindo como síntese uma sociedade pluriparental, forte e nova.
O estranho romperá limites, o diferente as fronteiras das possibilidades esquecidas; irá do estranho que burla ao diferente que modifica; do estranho que assusta ao diferente que integra.
A resposta na busca do diferente não ser um estranho é transformá-lo em um semelhante, o que passará pelo modo como humanizamos as nossa relações com o Outro; ninguém pode ser justo se antes não for humanitário.

Cícero Brasil Ferraz
      


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