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31.10.13

NA DOBRADURA DO TEMPO

Por várias vezes tenho repetido em minhas preleções da atitude desertora do homem pós-moderno, da sua desistência em prestigiar, manter e preservar os valores que até então o mantiveram como um sapiens gregário e "evoluído". Por ver-se acuado diante do vazio existencial, decepcionado com as promessas não cumpridas pela religião (Séc. III até ao XVI), pela razão (Séc. XVI até ao XIX) e pela ciência (Séc. XX) , desistiu da própria esperança.
Quando falo que esse homem está vazio, estou dizendo que esse homem sem esperança vive "indo" o momento da não-espera. Não deseja mais viver aquele vazio produtivo, que é quando a ansiedade motivadora leva-o para perto do abismo da expectativa do surgimento do novo, do fenômeno, do surgimento dos insights que mudaram o tempo da história e, até, como no caso de Einstein, a história do tempo. Esse homem desistiu de "pensar o sonho", de ser surpreendido pelo novo. 
O fenômeno (acontecimento) do novo, embora seja fortuito, nasce de uma excitação anímica que, em ebulição, espera do ex-nihilo nascer o novo que encanta, inebria e faz a história acontecer.
Esse acontecimento marca o surgimento de uma situação inusitada, de uma ideia nova, de um fato previamente inexistente. Todavia, para que essa situação se efetue, a estrutura desse criatio há que tolerar um certo grau de incerteza e um certo "vazio" que habilitem o surgimento de um algo novo como novidade radical. E ali, exatamente ali, de onde não se conhecia emerge o conhecimento do novo.
Não advogo aqui a inoperância da razão, uma espera incapacitante sem a concorrência do esforço humano, aliás, este novo a que me refiro, vem do conhecimento antigo que não pôde dar sequência a  si mesmo por esgotar-se. O novo que é novidade, nunca percebido anteriormente, nasce exatamente do que já se sabia que, por inconsistência, não pôde dar origem a um novo saber e, que, por ser limitado, exige do homem criativo a revisão dos saberes anteriores e a possibilidade de deixar espaço para o imprevisto. Neste sentido, é desse "novo nada" que tudo acontece, que o Kairós (o novo tempo que muda) supera o Kronos (o tempo continuado).
Mas esse homem pós-moderno cansou de sonhar. Ficou decepcionado com as promessas feitas e não efetuadas pelos seus ícones. Na sua cabeça transita o seguinte pensamento: "É melhor não pensar-esperando porque, se outro novo aparecer, como apareceram a religião. a razão e a ciência, ele irá prometer e prometer para, depois, me abandonar, como os outros me abandonaram na esquina incerta da desilusão filosófica e existencial. Eu prefiro somente estar e não procurar o novo que me desafia  a ser".

Cícero Brasil Ferraz


 


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