Assuntos

4.3.13

O GRANDE RISCO

Relacionar-se com alguém exige coragem social. Falo isso por que, embora sejamos seres gregários e, portanto, necessitados de viver em “tribo” para a própria formatação do indivíduo como indivíduo, através experiências amargas da vida e, portanto, desde o abandono primal, necessitamos de precaução e cuidado ao viver com esse “outro” de que tanto carecemos. A isso chamamos de “medo da vida”.
Dessarte, para “viver” é necessário “temer”. Seja o medo de viver por si mesmo, seja o medo de ser “outra vez” abandonado (como fomos abandonados pelo útero da nossa mãe, seu seio e, por fim, por seu colo) ou, ainda, medo de depender de alguém. É nessa angústia paradoxal do “preciso”, mas, “não devo me entregar tanto” é que partimos para os nossos “encontros da vida” onde todo o nosso universo relacional se encontra sobre o alicerce paradoxal do medo. E por ser paradoxal, não é contraditório é, antes, funcional e promotor das relações minimamente saudáveis. Contudo, para nos realizarmos enquanto “eu espelhado”, (um “eu” em relação ao “rosto” do outro) precisamos enfrentar esses temores, e ter consciência de que, para crescer, não basta sermos nós mesmos, mas é preciso participar da individualidade do outro ou, então, permitir que essa individualidade nos penetre; sem o que muitos outros medos, podem se apoderar de nós principalmente: o de sermos completamente absorvidos pela individualidade do outro, o medo de perder a nossa individualidade, ou ainda o medo dessa alteridade nos roubar a nossa independência. Na verdade, em última análise, um pouco disso ocorrerá – a questão é o quanto somos nós mesmos para suportarmos o peso de um “totalmente outro” entrando pelas células da nossa intimidade e, mesmo assim, sairmos mais saudáveis, humanos e socializados desse “fascinante e tremendo encontro”.
Muitas das nossas fobias sociais e todas as suas comorbidades advêm dessa divisa: temos muito mais dúvida do que somos do que convicção daquilo que queremos; ou seja, será que queremos jogar um jogo tão arriscado assim? Vale a pena, na busca da intimidade relacional, correr o risco de perder a independência, ainda que infantilizada e fóbica? Vale a pena ser mais solitários que solidários? Mantermo-nos afastados do “interior da vida fechada” dos verdadeiros “acontecimentos”, conservar a nossa superficial paz de espírito ou vivermos “entre muita gente” solidária e engajadamente identificando-se com o “outro” em todas as suas instâncias?
Como seres criados “para”, não encontramos tudo o que precisamos de humano em nós mesmos. Nosso destino, bem como o estímulo vão para o prazer funcional que está no fato de realmente conhecer e conviver com alguém – ainda que nos seja doloroso e arriscado. Toda pessoa madura já passou por esse caminho correu esse risco, e colheu os seus frutos.
Por medo, muitos corajosos mas, psicologicamente infantis exibiam coragem física, instintiva e animal, ao invés de se deixarem conhecer fogem, quando agridem, machucam e matam.
Aqueles que têm “coragem de ser” (Paul Tilich) se deixaram viver e se deixaram morrer em favor de um “outro” qualquer ou de uma verdade. Quem tem autonomia sobre a sua vida tem-na também de sua morte. Essa é a ultima coragem a única verdade e a razão do “tudo da vida”. E eu, nunca vi ou li sobre alguém, que se arriscou a esse ponto, ser infeliz ou decepcionado com a vida porque assumiram esse risco de viver no absoluto de si-mesmo, em busca de uma vida mais rica ao encontrar o seu próximo com toda sua riqueza individual. E o melhor é que essa percepção não é in abstracto e, sim, uma fusão dinâmica interacional e imediatamente social.

Nenhum comentário: