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19.12.12

O LOC CONTROLADOR

Qual é o grande legado de Cristo deixado para quem pratica a religião hebraico-cristã e, de algum modo, também, àqueles que professam alguma religião que tenha algum dogma ou pressuposto religioso manifesto através de alguma ordem litúrgica?
Confesso que esta abordagem será um tanto quanto simplista e até reducionista dada a complexidade do assunto. Nenhum terxto, mesmo que ad nausea, esgota-la-á. Mesmo assim, me arrisco aqui, fazer alguns levantamentos que, de alguma forma, poderão nos ajudar em algum estágio da nossa caminhada enquanto homo religiosus, enquanto seres movidos pelo imperativo da sacralidade; tipo daquele espírito que reinava em Atenas nos tempos bíblicos, quando Paulo de Tarso, ao visitar aquela cidade em uma missão evangelística, afirmou aos seus cidadãos:" ...em tudo vos vejo acentuadamente spersticiosos...", cheios de crendices teogônicas - literalmente, "supersticiosos".
Os protestantes históricos são herdeiros de uma tradição teológica, cultural e social inigualáveis. Mas, percebo, por outro lado, que a mesma teolgia dogmática que libertou os seus seguidores de tantas amarras do que era  era falso dentro do cristianismo medieval é usada, agora, para impor um modelo carcerário de vivenciar a fé cristã. O problema não está na sua propositura, mas no loc onde ela é "metabolizada"; não está, outrossim, nos pressupostos teológicos.
Não pretendo tratar esta questão no campo generalizado e das múltiplas manifestações religiosos ao redor do globo, mas reduzí-lo ao mundo chamado evangélico e, mais pariticularmente, ao mundo protestante, no qual estou inserto (com "s" mesmo). Não nas doutrinas "em si" mas na imposição inquisitória dos que manipulam a verdade como se fosse um objeto para satisfazer interesses que não se encontram nas raízes mais antigas do cristianismo "puro e simples".
 Neste modelo as verdades teologais torrnam-se num modo de pensar e não num estilo relacional com Deus. E como elas não são vivenciadas na experiência cristã, deixam de infundir nos seus crédulos a sua mensagm encarnacional, ou seja, a intimidade "mística" com Deus e com o próximo. Assim, o que foi elaborado para criar intimidade com o sagrado e com as pessoas, afasta o seu proponente da pessoalidade relacional a que aquelas verdades se propuseram. Os dogmas se tornam em um "poder fora": visto, crido e absorvida como algo estranho à tranformação do caráter, conquanto enraizado em alguma certeza. É uma verdade insossa, fria e sem conteúdo vivencial. Esses adoradores se tornam, assim, muito religiosos e, também, frios, críticos, túgidos, amargos, acusadores. e enfim enfim em "ovelhas doentes". Por esse processo, o que deveria curar  e libertar se torna em "verdade que envenena e mata".
Jesus nunca criticou os religiosos de sua época por nenhum dos seus conceitos ou doutrinas sobre Deus, mas no quê eles os transformaram; no como deglutiram as verdades de Moisés e de como eles as transformaram em ferramentas de morte para si mesmos e para os ourtros. Entre o os seus corações e a verdade havia um muro intransponível, sob a sombra do qual poderiam fazer qualquer coisa em nome da verdade. Daí a sua recusa em aceitar aquela doutrina divina viciada por uma prática demoníaca: O local da controle da fé estava na "letra que mata" e não dentro do coração que ama e perdoa.
Tomo como ilustração, para explicar o que está em epígrafe, o caso da "mulher adúltera", narrado por João, no seu evangelho. Alí, Jesus não criticou o mandamento bíblico do apedrejamento e nem, muito menos, a prática do mesmo. O que ele queria era que aquela verdade fosse filtrado "dentro" dos fariseus; que aquela decisão fosse tomada não pelo o loc externo, mas que passasse, primeiramente, pelo tribunal da alma, onde as verdades fazem a diferença e mudam os destinos. O Local do verdadeiro poder não deve estar isolado e "fora" daquele crê, mas "dentro" do seu postulante. A verdade conceitual do mandamento independe de que crê, mas o seu poder libertador, na vivência de quem o pratica. "Conhecer", no evangelho de João, é muito mais do que uma acepcão mental, é uma experiência encarnacional com o  quê do que se crê. É nesse sentido que João afirma categoricamdente:"..e conhecereis a verdade e a verdade vos libertará...".
Essa religiosidde cujo o loc é externo domina, geralmente, gente de consciência insegura, subjugada pela crença de influências externas e, não raro, inconscientes quanto ao controle interno das manifestações pensênicas em todos os setores de sua vida. E é exatamente aqui que se encontra o fator poderoso que corrompe "tudo aquilo que é verdadeiro, que é puro, que é justo e bom". Torna distante aquilo em que há vida, graça, beleza, arte, perdão e amor. Esse tipo de gente não consegue pensar por si mesma, a partir de "dentro" de suas convicções.
O que Jesus propõe, por exemplo, não é "não adulterar", como queria os judeus, mas é não pensar no adultério. Aqui está o centro mesmo da religião do loc interno, ou seja,uma decisão tomada como uma verdade teologal que está dentro e, para ser tomada como verdade inteira, dever passar pelo potencial crítico da verdade em que se baseia suas atitudes. A outra, a do loc externo, não  avalia a sua prática a partir daquilo que produz vida, mas em algum dever que carece ser cumprido. É possível que, agindo assim, o praticante dessa orientação, atribuirá a si o sucesso da eliminção do mal que está " fora" . Cumpre o que o loc controlador externo exige: a uma falsa sensação de que está tudo certo diante dos homens, do mundo e de Deus por cumprir as exigências de uma falsa fé em que, muitos vezes, atirar pedras poderá transformar corações.

Cícero Brasi Ferraz


















































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4.12.12

POR UMA NOVA ÉTICA

Como criar um novo imperativo categórico para definirmos uma nova e possível ética?
Com este questionamento de caráter liminar que desafia a nossa mente destituída, há muito, de uma razão lógica por deitarmos nossa esperança na precisão das máquinas, ou então, por termos cansado de homo sperans que em nós teima habitar, inicio este exercício de cidadania.
A crise que esse homem vive hoje está no fato de seus vastos conhecimentos, oriundos da modernidade, mais o encadeamento dos atos humanos, a partir de sua própria tecnologia, não serem acompanhados de uma expansão semelhante à sua capacidade moral, ou seja, o seu crescimento tecnológico não teve uma correspondência moral à mesma altura. Dessarte, ele não conseguiu assumir responsabilidade moral sobre o Outro o que, em proncípio, é o solo primário onde deve germinar qualquer coisa que possivelmente chamamos de ética.
Proponho, se não podemos ser otimistas, uma ética a partir da heurística do medo. Assim, para não destruirmos a nossa própria esperança, precisamos de um comportamento pessimista e  sistemático para errarmos, se for o caso, apenas por excesso de cautela,  o que poderia ser chamado também de abstinência positiva - buscar na omissão a capaciade de não destruir. Usar o curto espaço de tempo do campo moral que ainda nos resta para impulsos repressores que dessensibilizem os erros relacionais. Usando uma linguagem da patrística, sair do estágio non, no pecare para o outro, pecare. Precisamos de uma ética que venha antes do Estado, dos magistrados, dos ordenamentos jurídicos; uma ética que venha antes do Eu, em direção contrária de si mesma rumo ao Tu e, então, somente então, participaremos ativamente da comunidade sem o mito etiológico da neutralidade, ou seja, daremos mais atenção à profecia da destruição do que à profecia da bem-aventurança; e aquilo que nos construiu até aqui como seres positivamente éticos (a busca da sobrevivência, o autoengrandecimento, a consideração racional de fins e meios, a avaliação de ganhos e perdas, a procura do prazer, do poder, da política, da religião e da economia) deve dar lugar a um processo de reconstrução moral a partir de nada disso conseguir, se for roubar os poucos vinténs que ainda restam, daquilo que foi o grande tesouro da propagação de nossa sobrevivência, a garantia da prevalência de nossa espécie. E essa interdependência traumática é o preço que devemos pagar.
A ética pessimista proposta aqui é uma exigência feita pelo Outro sem nenhuma formalidade. É uma exigência pelo simples fato do Outro ser o Outro e que, como agentes éticos, nos veremos obrigados a distingui-lo. A responsabilidade que assumiremos diante desse Outro será o motor ético dessa exigência tácita, poderosa e sacrificial.
Nenhuma ética, por essa via, é natural ou indolor. Sempre provocará perdas primárias para a busca da completude de um Rosto Social responsivo. É a discontinuidade do Eu em busca do bem-comum, da própria sobrevivência do Eu gregário. Dessa relação Eu-Tu nascerá, por um processo maiêutico, um novo ser chamado Nós, sem o que não sobreviveremos enquanto indivíduos. Na verdade uma espécie de "contrato social"sem interferência do Estado e sem o conceito formal de justiça; uma nova ordem de santidade, beatitude, misericórdia, de amor e caridade pelo fato de não sobrevivermos sem o Outro com suas multiplicidades enquanto ser humano. O escopo dessa nova ética será: Aja de modo que os efeitos de sua ação não sejam incompatíveis com a permanência da genuína vida humana.
Sei que estou laborando uma tese a partir de uma premissa estóica, mas depois de tudo que tentamos – e que não deu certo – precisamos suspender todo e qualquer juízo de nossas ações frustradas e nos lançarmos em busca de uma ética para aquém de nós mesmos e encontrarmos na ausência da força positiva uma sinergia minimamente possível que nos obrigue a olhar para o Outro sem nos autodestruirmos. Haveremos de conviver, de qualquer forma, com aquela terrível e poderosa realidade dita por Jesus: "...vós que sois maus sabeis dar boas dádivas aos vossos filhos...". No final, nossa ética será amar ao máximo para não vivermos sem o benfício que esse amor vital retorna ao nosso interior, nosso agrupamento social, remédio para muitos dos males que o psiquismo humano hoje sofre. Por fim, transformar uma ética que tinha como fito o prazer (ética positiva), em uma outra que tem como alvo o estrito dever (ética negativa).

Cícero Brasil Ferraz


19.11.12

A CAVERNA DE FREUD

Às vezes somos monolaterais e até ingênuos, quando acusamos Freud de pansexualista, evolucionista ao extremo, ateísta compulsivo e, até, como já ouvi, uma espécie de "filho do anticristo". Freud construiu seu castelo de idéias em cima de uma premissa básica: a civilização se construiu em cima da renúncia do instinto - o princípio do prazer versus o princípio da realidade, ou seja, a energia libidinal despreendida de qualquer obstáculo versus normas que a sociedade cria para a sua sobrevivência enquanto animais gregários.
Viver, então, para Freud, é um compromisso, uma troca continuamente reclamada e para sempre instigada a se negociar. Desde os primórdios da vida à senectude o homem labuta para equilibrar-se ante o princípio do prazer e o principio da realidade, em o que, a sociedade não sobreviveria. Incestos, disputas pela fêmea, instintos primevos nos destruiriam antes mesmo de nos tornarmos alguém, enquanto civilização. Ninguém em sã consciencia poderia negar verdades nessas assertivas, contudo dizer que isso é toda verdade foi o seu grande erro.
Considero por assim dizer, Feud um grande arquiteto que nunca viu uma casa recém-construída. Tudo o que ele viu foi presídios em pedaços, isto é, ele só conheceu outros valores do homem original: seu desejo de andar no jardim, relacionar-se com sua esposa e encher sua vida de significado numa vivência completa, inteira e interativa como seu Criador. Usando uma linguagem bíblica, Freud conheceu o homem de um lado só: o homem carnal que vive a lutar e a digladiar para satisfazer a sua, então, nova natureza. Diria que Freud é o novo homem da caverna de Platão: "tudo que enxergo é tudo o que existe no mundo".
O homem de Freud é do tamanho do campo de sua visão vitoriana: Só o que ele enxerga e diz é o que o homem é. Por isso, não aceitou outras variantes propostas pelo seu mais gênial discípulo C.G.Jung. Seu erro foi lutar em não querer enxergar aquém e nem além de sua pequena caverna. Dessa premissa nasce sua crítica ácida à sociedade e seus valores morais.
Moral para Freud era sinônimo de repressão e neurose. Qualquer valor que recalcasse o "id" (o ser solto, livre e primitivo que há no homem) merecia ser desnudado para uma maior compreensão da civilização de seu tempo. É no interior deste espaço eu-civilização que o analista penetra e faz refletir como espelho a face mais escondida de seus pacientes, promovendo, assim, evasivamente, a única possibilidade de cura.
Não podemos negar o gênio desacomodado e inquieto de Freud. Suas teorias sobre sonhos, conteúdos inconscientes reprimidos, relações primárias das crianças com os pais e todas as suas implicações são fatos incontestáveis. Mas, quando ele diz que todo do homem é só isso, fracionou demais; diminuiu demais.
Qualquer cientista, filósofo ou pensador ao dizer que qualquer todo do homem é só isso decreta a sua impossibilidade de crescer, voar e sair da caverna da redução mental.

Cícero Brasil Ferraz

3.11.12

QUO VADIS?

Sempre somos muito inquietos para com a vida. Talvez esta inquietude se deva ao caráter líquido e até volátil da nossa própria finitude. Daí a angústia e ansiedade, como xifópagas, não se "descolarem" de nós, mesmo sob pena de autodestruição. A nossa pressa, insegurança são as consequências vindicadoras deste estado de ser-para-o-fim. São, por assim dizer, como um tubérculo que prepondera por baixo, como um crescimento tumoral até dar-se a conhecer na superfície das nossas angústias existenciais que se expõem claramente em nossa pressa, impaciência e insegurança. É aquilo que os especialistas do mundo "psi"chamam de "bacilos de nossas inquietações".
Em que pese as virtudes da finitude - e não são poucas, mas não é esse o nosso escopo, portanto, não nos cabe aqui falar sobre elas, - ela é única realidade que nos move para frente, é a que cria a teimosa esperança aquela que, como uma miragem, que na realidade não existe, mas nos ajuda a chegar "lá" do outro lado, para então enfrentarmos novas frustrações e com novas esperanças chegando àquele lugar onde construímos nossas tendas e nunca nossas casas. O nosso habitat tem como fundamento,  a resposta final  "is bloyng in the wind" (vento que sopra) de Bob Dylan. Nestes casos, a esperança humana é como alguém que quer encontrar um lugar permanente de residência logo depois "daquela curva", mas quando lá se chega, encara a dura realidade que o "depois daquela curva", é exatamente o seu epicentro". O que estampa, então, à nossas vista é nosso espírito arrivista, negociadores com tempo; alguém já no lugar, mas não inteiramente do lugar. É somente um aspirante e residente sem permissão de residência; uma espécie de pároco do mundo.
A desesperada esperança de um peregrino está na certeza do fato de que o seu vizinho também vive assim - a certeza de que ele também vai embora um dia e dará lugar a outro e é isso - exatamente isso- que dará firmeza o seu lugar também na partida. E, assim, os nômades disputam com os outros nômades o direito de fornecerem alvarás de residência uns aos outros. Essa sucessão de movimentos espasmódicos é - usando uma metáfora que conhecemos - um trem desenrolando seus trilhos adiante de si ou, então, como as cheias de um rio que arrastam suas margens consigo. O trem não deixa o trilho para frente, e o rio não deixa a margem para trás.
Não deixando nada para trás e engolindo tudo para frente, ele (o peregrino) se vê subjugado pela esperança que sua vez já se tornou ancila da tirania das possibilidades. Sabe que lá é o seu lugar, mas "lá" já não existe. À sua volta ouve sempre um som agudo de denúncia que roubaram dele o seu antigo ninho - o seu "lá". Nessa altura surge então o apelo de voltar para o lugar das possibilidades, das oportunidades para, quem sabe, um dia o seu lugar perdido nele mesmo seja realmente o seu lugar permanente: neste caso, a autonomia da esperança transformou-se em tirania das possibilidades; e começa tudo de novo...como o vento de Bob Dylan. É exatamente nesse momento que o imigrante descobre que as muitas possibilidades que ele conheceu - e é exatamente por conhecê-las - roubaram-lhe um lugar definido, fortificado pelo senso de pertencimento e que as definições que eram, até então categóricas, universais não são mais fidedignas armaduras com as quais vencerá o caráter fissíparo das relações pessoais. Torna-se astronauta (sem peso), vencido pela gravidade, que encosta os pés na lua, mas que não sente como se pisasse em um lugar sólido: uma conquista sem peso e sem posse.

Cícero Brasil Ferraz

19.10.12

EU NÃO CREIO - E AGORA?

O pior tributo que um gênio ateu paga à sua própria vida é o de crer num mundo somente casual e determinado por forças e leis perfeitas, mas ao mesmo tempo cegas e bastardas. O que pode ser mais trágico do que alguém que faz tudo parecer com  sentido e gerenciado por um motor lógico, quando ele mesmo afirma que é casual ou contingente.
Será que o seu drama não está no fato de que ele gasta força, energia, tempo de sua vida, em muitos casos, para dar explicações e fazer lógico aquilo que ele mesmo julga fortuito? Não será esse movimento antagônico, a razão da angústia,  do inconsertável e  quase esquizóide mundo racional digladiando com suas buscas metafísicas? Não será essa a causa da teimosia de sua alma que deseja se harmonizar com aquilo que sua razão não quer teimosamente aceitar e, que, ao mesmo tempo, não recusa que sabe existir? É, na verdade, uma cacofonia existencial, ou seja, não é perfeitamente consonante encarar que os sons da sua razão não criam harmonia com os de sua alma.
Não será o seu reducionismo a razão de sua esquizo-relação com o cosmo? A sua visão estreita, fechada em um canto isolado de algum saber não o afasta da percepção de que existe no mundo não- físico, razões e fórmulas metafísicas que regem o universo e, que isso, exatamente isso, cria um senso de totalidade na vida humana e sua relação com o todo?
Perguntas que um ateu genial deve responder: O quanto um cálculo matemático há em sua essência em relação à arte? Como a sua razão mensura o belo? Dá-me um ponto físico daquilo que é um ponto, ou, então, defina-o? Explique a si mesmo o motor que impulsionou o Big-Bang ou quantos megatons foram necessários para explodir o que daria o início ao processo da expansão de energia no universo?
Não são perguntas retóricas, são razões que, ao serem aceitas como criadas por forças não físicas, criam um senso de bem-estar do "self" e harmonizam o nosso saber com os outros saberes.
A desintegração do homem agnóstico ou ateu se deita no fato de que as explicaçãoes racionais e materialistas do mundo (machine) não criam expectativas de esperança e nem respondem perguntas que a sua alma sugere, instiga e questiona. Isso – o que somente a razão lhe dá como resposta última – não abrange categorias que a alma anseia experimentar. As confirmações e respostas que as fórmulas, descobertas e teoremas confirmam não tangem aquelas áreas "românticas". A razão não é suficiente para estas coisas.
Paixão, beleza e graça são tipologias de um mundo tão real quanto aquele, mas que não é alcançada pela razão. Esses atributos do homem e no homem são, na verdade, projeções de uma realidade absoluta e perfeita da qual as verdades racionais são apenas sinais.
O Deus-homem, só ele, faz a síncope desses mundos. O ser humano se sente "totalizado" quando convive com Aquele que torna as realidades unívocas, harmônicas e integradoras.
Nenhuma alma mortal pode livrar-se desta sensação de que nele há um sentido total da vida. Talvez o que aquele que é regido pelo mundo da razão tenta, a vida toda, é livrar-se dessa sede, mas sem beber água; correr para o infinito mas com o fôlego limitado; silenciar o som da vida que está em toda parte do mundo. É uma tentativa insana de se esquivar daquele que enche o cosmo de significado ou, então, livrar-se Daquele que tem em si mesmo a ubiquidade.

Cícero Brasil Ferraz

5.10.12

O RETORNO DO MINOTAURO

Tenho argumentado em alguns escritos que a sociedade destruiu os seus paradigmas, tais como família, religião, o conceito de autoridade e relacionamentos responsivos e congruentes. Quero, outrossim, deixar bem claro, que destruir paradigmas não é de todo ruim quando, em lugar do quebrado, se crie outro, mesmo que seja para pior. Mas o que acontece é que os paradigmas foram destruídos e não se tem colocado nada em seu lugar. Daí o vácuo, a náusea, a insatisfação e o fastio que a vida além da modernidade incita.
Nesse vácuo sombrio – e exatamente aí -, em meio a homens inseguros e desnorteados reaparece  como solução imperiosa e bruta, como um minotauro ressurreto, uma velha orientação da qual a humanidade tentou e tenta fugir desesperadamente até aos dias hodiernos: o fundamentalismo. Se o homem perdeu o seu destino os pressupostos fundamentalistas renascem como antiresposta à sua fragilidade existencial e à sua despropositada vida. Assim, propõe um super-homem dotado do controle dos fatos e da história. É o destino do homem sob o controle do homem. Como consequência, nasce desse bojo, a religião controladora, a política das certezas e o etnocentrismo narcísico.
fundamentalismo, quer na esfera tribal, política ou religiosa é, e sempre será, insano. Não pretende, em primeiro plano, obstar o homem do progresso quer, isso sim, controlá-lo pelo simples prazer de manipulá-lo, manuseá-lo e até escravizá-lo. O preço que depois essa orientação cobra e que seus seguidores necessariamente pagam, é a agonia de uma sociedade condenada a uma autosuficiência  fossilizada e a uma auto confiança solitária e um futuro previsível relegada à uma vida sem escolha por não permitir riscos e nem o sabor de encontrar no incerto o cheiro do novo.
Talvez esse fenômeno exumado tenha tanto vigor em nossos dias pelo fato – e isso não podemos negar – dessa orientação saber mapear, prospectar, descrever e nomear os inegáveis problemas que afligem esse over-man (o homem além de sua própria história). É exatamente no diagnóstico que o fundamentalismo encontra sua força cativando gente frágil, sem história, sem isenção crítica, pronta a pagar o auto preço por qualquer certeza mesmo que seja com a convicção de que ser escravo protegido é melhor do que ser um peregrino livre. A clientela do fundamentalismo geralmente se constitui de homens e mulheres que tem pavor da inadequação pessoal, que vivem diariamente o pesadelo de não estarem à altura das novas e desafiantes fórmulas de vida que o futuro caprichosamente auspicia: a irreparável fraqueza do individuo humano, comparada com a onipotência de sua própria espécie. São vidas sem mentores, sem sábios, filósofos ou poetas movidas pela autodisciplina cega propugnada por especialistas mais iguais do que seus pares.
A grande promessa do fundamentalismo é a de libertar os seus adeptos da agonia da escolha. Tudo está pronto, definido e sob controle. Eles não precisam correr mais riscos que a liberdade e o novo indefectívelmente oferecem. São verdades mortas, jornal do dia anterior que teima em ser notícia nova ainda hoje, fármacos com validade vencida e profecias já cumpridas em tempos antanhos que prometem com essas verdades mortas uma nova e definitiva resposta para os complexos e quase indecifráveis enigmas da nossa pós história.
A volta da ditadura católicoromana promovida pela ascensão de Bento XVI, o integrismo islâmico dos aiatolás, o estilo da Irmandade Muçulmana, o movimento chassidístico atual, os novos ícones do evangelicalismo neopentecostal e o surgimento do protestantismo neopuritano são algumas das evidências de que os genes minotáuricos estão vivos e ativos replicando suas mazelas e seus filhotes por todo mundo.
Não é pecado buscar verdades vivas que homens mortos nos deixaram, mas é indesculpável nos submetermos à verdades mortas que os vivos querem nos impor.

Cícero Brasil Ferraz

21.9.12

O GATO FÉLIX – CORRENDO EM CÍRCULO ATRÁS DO RATO

Abro este tema afirmando que toda escolha que faço – mesmo sendo a mais pensada, ponderada, experimentada por suas variantes – é provida de alguma perda. Ninguém ganha tudo em uma escolha. Outrossim, qualquer valor só é valor graças a perda de outros valores que se tem de sofrer afim de obtê-lo.
O homem moderno, o do século XX, em busca de certezas, fez da ciência e do conhecimento experimental a sua maior escolha e, portanto, atrofiou a sua sensualidade, tornando seu saber mecânico, em um sofisticado banquete, mas que não tinha tempero algum. Uma abstração carente de emoção. Por isso se prestou tanto prestígio de que hoje ainda goza, em certos círculos, a famigerada “inteligência emocional”.  
Já, na pós-modernidade, esse mesmo homem avaliando seus ganhos e perdas descobre que, geralmente, precisa exatamente daquilo que mais lhe falta. E como encontrar o “isso” se a religião não satisfaz o homem pós-moderno e nem a ciência dá sentido pleno a sua existência? Essa é a grande crise da pós-modernidade: encontrar uma síntese entre felicidade e segurança. Mas como organizar o seu pensamento quando toda segurança só pode nascer de toda certeza, e toda felicidade só da plena liberdade (inclusive liberdade de certeza)?
A gangorra entre a liberdade que lhe trás a felicidade e a certeza que lhe dá segurança é impulsionada para píncaros na busca frenética da existência plena de significado. Qualquer tentativa de um equilíbrio será apenas estagnação suicida que coxeia entre as seguintes fronteiras: a certeza cativa da liberdade e a felicidade filha da segurança que, ao fazer uma opção de qualquer uma delas, não compensa por serem ambas episódicas. Sem dúvida: a liberdade sem segurança não assegura mais firmemente uma provisão de felicidade do que segurança sem liberdade.  
Observando a avalanche histórica da modernidade é possível notar que os seus mal-estares provinham de uma espécie de segurança que tolerava uma liberdade pequena demais na busca da felicidade individual. Já, os mal-estares da pós-modernidade provêm de uma espécie de liberdade de procura de prazer que tolera uma segurança individual pequena demais.
Nesse abismo dialético é que esse homem se encontra hoje. A decisão que ele toma – e tem tomado – é de não fazer escolha alguma; como se isso já não fosse uma escolha. Daí encontrá-lo vago, vazio; sem projeto, arte, ícones, mitos ou gênios. A sua única certeza é de que ele ainda não fez a sua grande escolha e nem sabe se a fará. Não há nele nenhum apetite para esse tipo de avaliação porque isso não garante que esses valores diagnosticados suportem necessariamente um estado permanente de satisfação. É nessa estagnação suicida que ele encontra a desconstrução do grande edifício de seu mundo.

Cícero Brasil Ferraz

17.9.12

O GRIFO

Este blog “O grifo do Cícero” nasceu da necessidade de expor meus pensamentos e o “ponto de partida” da minha cosmovisão do mundo. Resisti bravamente entrar no “mundo das redes sociais”, mas descobri que estava perdendo uma grande oportunidade de me expor como um ser pensante e dotado de alguma luz para ajudar alguém nos grandes questionamentos da existência.
É óbvio que não sou e nem pretendo ser original. A diferença é: como eu não sou filósofo procuro imitá-los em suas ideias e em seus ideais porque, assim, quem sabe, de tanto imitá-los acabo criando um raciocínio e uma maneira filosófica próprios de pensar o mundo.
O meu background vai desde a empiria dos jônios até ao mundo da ideias de Platão; da ética estóica até as virtudes cristãs; das categorias metafísicas dos sábios como Jesus Cristo, Buda e Confúcio até à experiência definitiva de Moisés, Isaías, Saulo de Tarso, Santo Agostinho e Francisco da Assis com Tremendum et Fascinorum de Rudolf Otto; do ponto zero de Descartes até ao otimismo de Hegel; do pessimismo de Schopenhauer ao realismo de Nietzsch.
Ando pelos caminhos do físico e do metafísico; do reducionismo das categorias científicas ao delírio das religiões para chegar, então, ao homem da pós-modernidade – decepcionado com Deus, descrente que a razão tenha a resposta última da existência e consciente de que a ciência não comporta anseios de sua alma peregrina.
O homem religioso da Idade Média, o homem “ïluminado” da renascença, o homem científico do sec. XX com tudo que conheceu em sua jornada, não encontrou o seu RG mais consistente e satisfatório. Agora, no séc. XXI, ei-lo vazio, volátil, liquido. Suas crenças e valores foram desfeitos pela a infinitude daquilo que na verdade o constitui, Não há mais nada em que se possa apegar. Os dogmas, as normas, os paradigmas não lhe dizem mais nada. A única certeza que ele tem é do agora que de repente já não existe mais.


Cícero Brasil Ferraz

ESSE HOMEM SEM SOMBRA


Será que poderíamos desenhar o perfil do homem pós-moderno? Ou querendo explicar: Por que a definição desses perfis é tão multifacetada, descentralizada, disforme e, ainda, como diria o vulgo, é tão “sem eira e sem beira”?
Não há como abordar um tema tão subjetivo e abrangente sem ser relativista e despluralizado, tal é a inconsistência da construção de regras e modelos que a própria sociedade tem criado: O mundo construído de objetos duráveis, substituído pelo o de produtos disponíveis, projetados para sua imediata absolescência; um mundo em que as regras são mudadas num instante para, um pouco depois as mesmas regras descartadas – e quando não outras – se tornam definitivas no resultado final do jogo da vida, indo e voltando a partir de movimentos inconstantes, até não saber mais quando.
Destes questionamentos tão leves quanto a “insustentável leveza do ser” é que o homem pós-moderno se vê às voltas com sua identidade: Sua angústia se intensifica quando nesse vai e vem se vê desconhecido de si mesmo, e o pior,  sem saber de onde partir para chegar no seu si-mesmo; ou quando não, encontrar um pressuposto ontológico exatamente de acordo com as regras que constituem o alicerce da natureza fissípara das suas relações objetais.
Nesse ponto de nossa história sem história para contar, no que já envelheceu antes mesmo de ser bem-nascida é que surge a identidade desse próprio homem, ou seja, os vínculos com as pessoas e coisas que desenham sua identidade se lhe surgem como espelhos voláteis e distorcidos que determinam  a sua cognição a seguinte pergunta: “que cara tenho” desde que o que permanece depois daquilo que o constituiu, não existir mais? Daí a identidade do homem pós-moderno ser constantemente precoce e inevitavelmente descartável.
Dessa relação sem a interface da face que dá contornos a identidade, nasce o seu desinteresse de se arregimentar para novos projetos e realizações pessoais. Qualquer tentativa do novo torna-se, nesse caso, frágil e errátil. Como pode alguém investir em algo que hoje é crédito e amanhã será débito? Como investir em um relacionamento com alguém que não se consegue levar “dentro” depois de um encontro, por não ter esse alguém algo com que esse homem pós-moderno se identifique permanentemente? Viver, relacionar, decidir, criar não passa de um ato inócuo como trocar uma roupa esportiva por uma social. Por ser sazonal, o que permanece é o vazio da identidade de quem esse homem é – pois alguém só é em relação a pessoas ou a objetos. Não é de se surpreender, pois, encontrar esse homem sem fascínio, encanto ou sem projetos que o identifique como agente que não somente lê história, mas que na verdade deveria construí-la. Daí porquê as relações serem voláteis, os projetos de curto prazo e as verdades relativas, enfim, convive com essa proibição tácita, contudo poderosa de relacionar o passado com o futuro. O homem do presente é de uma cronologia sem sequencia, o que se reverte na sua não-história; sua identidade é translúcida e efêmera no seu mundo curto e sem fronteiras; ele é do presente continuo, ou de um tempo que não estrutura o espaço; do tempo que não há como ir pra frente ou pra trás.
A perpetuação do tempo contínuo se mostra mais claro quando a sociedade do lazer procurar roubar desse homem o privilégio de ser triste, de chorar, de adoecer, e de morrer; quando a indústria da beleza promete a fonte da juventude continua escancarada nos rostos esticados e sem rugas; quando a máquina do consumo não permite a purificação do organismo ao se encontrar em um estado de jejum ou depuração (como se uma “pitada” desses “venenos” não o curasse de muito outros males de que hoje ele padece).
Aqui chegamos a um outro corolário: O homem não somente cria sua identidade na relação com pessoas e coisas como também cria-a dentro do tempo e do espaço, por assim dizer, a identidade é desenhada e reconhecida na força do tempo e através de momentos histórico–espaciais. Assim: Toda identidade também é constituída no fato. Portanto, o eixo da estratégia pós-moderna não é fazer a identidade deter-se, mas evitar que se fixe. Na verdade – e de verdade – o tempo passa, mas como ele passa é sem um propósito definido. Não vai “para”, só vai; seus movimentos parecem aleatórios, dispersos e destituídos de uma direção bem delineada, uma direção acumulativa e expansiva. Assim, quando o tempo se move não se sabe se vai pra frente ou pra trás, ou se o movimento é progressivo ou regressivo. Qualquer movimento é um cripto-movimento por não ser hipostático.
Gosto da oração de Moises: “...ensina-nos a contar os nossos dias para que alcancemos um coração sábio”, ou seja, que cada minuto no tempo não se desperdice no vazio despedaçado de desespero humano; que cada fato seja relacional, interativo, construtivo e, que, harmonize de tal forma o humano na relação com as coisas, com as pessoas e com o sagrado que esse homem brote novo e divinizado – feito à semelhança de Cristo.


Cícero Brasil Ferraz

RELIGIÃO – FÉ, FADAS E FOBIAS


Por ser a religião de caráter inefável, qualquer tentativa em defini-la nos faria tão-somente substituir um inefável por outro. No máximo que poderíamos chegar é substituir o incompreensível pelo desconhecido. Muda um pouco mas não avança muito. Esse “passo” talvez aplacaria um pouco a consciências dos sociólogos, psicólogos ou até de alguns teólogos que não conseguem “dar o salto”, conforme quer Kierkgaard, para o mundo da fé, que é a relação com o sagrado, o transcendental o encantado e acromático de Rudolf Otto. Pois é neste sentido preciso, e em nenhum outro mais antológico, é que a religião permite a transcendência.
A crise está no fato de pararmos na encruzilhada da existência e perguntarmos: Definiremos a religião através de experiências transcendentais ou de dogmas definitivos?
Seria simplesmente improvável a possibilidade de percorremos toda a largueza e demandas dessa encruzilhada dada insuficiência da nossa auto-suficiência. O próprio fato de reconhecermos esses limites nos dá um “start” para acionarmos a dinâmica caleidoscópica de nossas possibilidades. Com isso não estou reduzindo o meu juízo ao nada, mas, talvez, partindo de um pressuposto que religião pertença a uma família de curiosos e às vezes embaraçantes conceitos que a gente compreende perfeitamente até querer defini-lo. O espírito humano é bastante humilde de proibi-lo pensar sobre Deus e, ao mesmo tempo, também, bastante fraco para banir o excesso de ambição transcendental de sua alma pelo sublime. É o que poderíamos chamar de “escravidão desejante” – credo, ergo sum!
A etimologia do vocábulo “teologia” já seria – pensando assim – uma limitação que o homem se auto-impõe; uma limitação precedente da qual ele não consegue se livrar: Sabe que não sabe por não saber o quanto sabe. Daí as múltiplas e variegada manifestações do sentimento religioso visto, revisto e concebido por todas as etnias ao redor do globo. Nesse sentido poderíamos conceituar as manifestações dos sentimentos religiosos como uma ansiedade existencial em busca de uma segurança ontológica.
Essa “obsessão religiosa” é incurável. Se nela o finito busca o infinito e, se é infinito, como alcançá-lo? Como o finito pode alcançar o infinito sem a “mágica” da revelação? Certamente que é por isso que o cristianismo seja feérico – a religião da fé transcendente.  Nele a transcendência invade o tempo, o fato e o homem.
Entristece-me muito quando as igrejas querem encapsular Deus em seus ritos. Parece-me que as liturgias de hoje querem explica tanto o fenômeno da transcendência que acaba reduzindo-o ao previsível, governável, manipulável; não compreendendo que talvez na duvida sincera, na dor inexplicável, nos sentimentos ambivalentes se encontram a verdadeira religião: Acreditar sem explicar, possuir sem poder dominar; sair ao encontro do sagrado com a convicção de que precisava mais – mais saber, mais possuir, mais crer e, ainda mais se entregar.
As religiões cristãs modernas caem na bizarrice de explicar o inexplicável, como se pudessem ser o vigário que conduz o fiel até o fim do infinito. Assim religião que é uma agência de “bem de consumo” não consegue fidelizar os consumidores que ela mesma criou. Eles saem dos ritos religiosos cheios de promessas e vazias de transcendência. Daí o auditório religioso ser sempre flutuante, instável e auto-descartável: Onde falta o mistério não cabe a fé.
A religião definitiva não elimina todos os buracos e gretas da alma: Não consegue extinguir o medo último do abandono e nem consubstanciar o vazio de quem está cansado, “louco” para encontrar um colo onde descansar para sempre. A religião institucionalizada passa por um viés ao contrário: Propõe a idéia da auto-suficiência humana quando propugna que a essência da religião concentra-se em tarefas que os seres humanos podem executar: Campanhas de oração, votos, promessas e tantos outros condões que pragmatismo triunfalista celebra e consagra.
Com esse foco a religião momentânea quer “driblar” o sonho escatológico, inerente ao ser humano. Se tudo se resume ic et nunc, a alma do cultuante sem a expectativa do amanhã, sem utopias se torna vazia ofegante. A única esperança que lhe resta é a tênue certeza de que os receptores da graça (santos, eremitas, místicos, monges, ascetas, dervixes, padres e pastores), lhe traga pronto, materializados pelos abundantes signos aquilo que os próprios orantes gostariam de encontrar pelos caminhos da fé transcendental.  


Cícero Brasil Ferraz

ABE URBE CONDITIA


Se levarmos às últimas conseqüência os grandes problemas que hoje nos afligem enquanto cidadãos, iremos encontrar, de pronto, as suas enormes e inquebrantáveis raízes nascidas daquilo que anteriormente todas as gerações anteriores, até aos dias hodiernos, julgaram ser a solução: A cidade.
A cidade é para mim a maior excrescência da necessidade humana. Suas ruas asfaltadas, para que os carros corram mais com seus redutores de velocidade, para que os carros corram menos; suas casas perto uma das outras, na busca de proteção e unidade, mas divididas por suas cercas e muros para que não se perca a individualidade, é o mais desqualificado e paradoxal desencontro da inteligência humana. A unidade social que deveria ser uma poderosa proteção é a mesma que nos assusta e exige uma concorrência insana entre o aparato policial (cada mais sofisticado e letal) e o dos bandidos periféricos soltos e bem treinados pela guerrilha urbana.
O político (polis), cidadão que criou a condição urbana (urbis) de convivência, sofisticou-a com a ética, a moral, a forma e a norma é o mesmo que, para o bem do cidadão requer agora, como acima exposto, a sua própria dissolução. Foram modelos longamente testados no transcorrer da história para que no grupo (cidade) pudéssemos ser identificados. A cidade daria ao homem uma individualidade que só poderia ser identificada no meio plural. Daí suas hierarquias, castas e divisões. Parece-me que o sistema implodiu. Os que vivem nos grandes aglomerados urbanos, se engaiolam em apartamentos em forma de pombais para não serem vistos com indivíduos e nem identificados como aqueles da polis. Nesses casos ser reconhecido é colocar-se em risco. Quanto mais desconhecido, quanto mais anônimo, mais seguro. A cidade que foi edificada como utopia para as unanimidades hoje é o próprio palco por onde desfilam os desfigurados, que todo mundo percebe e que, ao mesmo tempo, ninguém identifica. O sistema que foi criado para marcar a individualidade engolfou-a, jogando-a nos grandes abismos do ostracismo urbano. Os avatares, pronunciados pelas utopias urbanas nos transformaram em “algo” antes mesmo que fossemos formatados como “alguém”. Não podemos mais voltar para as matas ou às cavernas. O caminho não tem volta. O homem pós-moderno se vê sem futuro e sem possibilidade de retornar ao estágio primevo; o que era chamado de “festa das comunidades tribais”, hoje sofre a alcunha de fastio dos contatos superficiais. A solidão urbana é, pois, a mais terrível “química” criada pela urbi galopante; é a causa das mais estranha somatizações que a alma empobrecida oferece ao corpo; é a fonte de dores sutis que geram abandono, morte, entorpecimento e, quando não, suicídios nem sempre cabíveis às estatísticas.
A boa notícia é que Deus não desistiu da cidade. Ele não quer restaurar Babel (Gn 10: 8-10; 11: 1-5), que é a Babilônia com seus jardins destruídos (Dn. 4:28-31) e nem mesmo a Jerusalém de Davi. A proposta de Deus é transformar a utopia do homem – a Cidade do Homem (Harvey Cox) em realidade arquetípica tão ansiada pelos corações políticos (polis) da humanidade não colocadas em efeitos nas cidades como geradores de unidade, unanimidade, propósito e esperança. Bem que se poderia evocar aqui o pensamento de Santo Agostinho ao confrontar a Cidade de Deus (a Nova Jerusalém) com a poderosa, mas desastrosa Cidade do Homem (Roma).
Ali – na Cidade de Deus – todas as utopias humanas serão possíveis, pois o arquiteto supremo que a construíra é o mesmo que nos “arquitetou”, célula por célula. Haverá uma homeostase entre cidade e cidadãos. No dizer de Paulo seremos concidadãos dos santos, seremos da família de Deus.
Conforme a visão magnificada do Apocalipse, na Nova Cidade, os muros não nos dividirão; suas medidas possíveis não nos limitarão; suas ruas áureas não nos ofuscarão; as nossas diferenças individuais nos convidarão a viver o poder da edificação da “morada de Deus no Espírito” (Hb. 12: 22; Ap. 21 e 22; Ef. 2: 19-22).


Cícero Brasil Ferraz