Como criar um novo imperativo categórico para definirmos uma nova e possível ética?
Com este questionamento de caráter liminar que desafia a nossa mente destituída, há muito, de uma razão lógica por deitarmos nossa esperança na precisão das máquinas, ou então, por termos cansado de homo sperans que em nós teima habitar, inicio este exercício de cidadania.
A crise que esse homem vive hoje está no fato de seus vastos conhecimentos, oriundos da modernidade, mais o encadeamento dos atos humanos, a partir de sua própria tecnologia, não serem acompanhados de uma expansão semelhante à sua capacidade moral, ou seja, o seu crescimento tecnológico não teve uma correspondência moral à mesma altura. Dessarte, ele não conseguiu assumir responsabilidade moral sobre o Outro o que, em proncípio, é o solo primário onde deve germinar qualquer coisa que possivelmente chamamos de ética.
Proponho, se não podemos ser otimistas, uma ética a partir da heurística do medo. Assim, para não destruirmos a nossa própria esperança, precisamos de um comportamento pessimista e sistemático para errarmos, se for o caso, apenas por excesso de cautela, o que poderia ser chamado também de abstinência positiva - buscar na omissão a capaciade de não destruir. Usar o curto espaço de tempo do campo moral que ainda nos resta para impulsos repressores que dessensibilizem os erros relacionais. Usando uma linguagem da patrística, sair do estágio non, no pecare para o outro, pecare. Precisamos de uma ética que venha antes do Estado, dos magistrados, dos ordenamentos jurídicos; uma ética que venha antes do Eu, em direção contrária de si mesma rumo ao Tu e, então, somente então, participaremos ativamente da comunidade sem o mito etiológico da neutralidade, ou seja, daremos mais atenção à profecia da destruição do que à profecia da bem-aventurança; e aquilo que nos construiu até aqui como seres positivamente éticos (a busca da sobrevivência, o autoengrandecimento, a consideração racional de fins e meios, a avaliação de ganhos e perdas, a procura do prazer, do poder, da política, da religião e da economia) deve dar lugar a um processo de reconstrução moral a partir de nada disso conseguir, se for roubar os poucos vinténs que ainda restam, daquilo que foi o grande tesouro da propagação de nossa sobrevivência, a garantia da prevalência de nossa espécie. E essa interdependência traumática é o preço que devemos pagar.
A ética pessimista proposta aqui é uma exigência feita pelo Outro sem nenhuma formalidade. É uma exigência pelo simples fato do Outro ser o Outro e que, como agentes éticos, nos veremos obrigados a distingui-lo. A responsabilidade que assumiremos diante desse Outro será o motor ético dessa exigência tácita, poderosa e sacrificial.
Nenhuma ética, por essa via, é natural ou indolor. Sempre provocará perdas primárias para a busca da completude de um Rosto Social responsivo. É a discontinuidade do Eu em busca do bem-comum, da própria sobrevivência do Eu gregário. Dessa relação Eu-Tu nascerá, por um processo maiêutico, um novo ser chamado Nós, sem o que não sobreviveremos enquanto indivíduos. Na verdade uma espécie de "contrato social"sem interferência do Estado e sem o conceito formal de justiça; uma nova ordem de santidade, beatitude, misericórdia, de amor e caridade pelo fato de não sobrevivermos sem o Outro com suas multiplicidades enquanto ser humano. O escopo dessa nova ética será: Aja de modo que os efeitos de sua ação não sejam incompatíveis com a permanência da genuína vida humana.
Sei que estou laborando uma tese a partir de uma premissa estóica, mas depois de tudo que tentamos – e que não deu certo – precisamos suspender todo e qualquer juízo de nossas ações frustradas e nos lançarmos em busca de uma ética para aquém de nós mesmos e encontrarmos na ausência da força positiva uma sinergia minimamente possível que nos obrigue a olhar para o Outro sem nos autodestruirmos. Haveremos de conviver, de qualquer forma, com aquela terrível e poderosa realidade dita por Jesus: "...vós que sois maus sabeis dar boas dádivas aos vossos filhos...". No final, nossa ética será amar ao máximo para não vivermos sem o benfício que esse amor vital retorna ao nosso interior, nosso agrupamento social, remédio para muitos dos males que o psiquismo humano hoje sofre. Por fim, transformar uma ética que tinha como fito o prazer (ética positiva), em uma outra que tem como alvo o estrito dever (ética negativa).
Cícero Brasil Ferraz
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