Se levarmos às últimas
conseqüência os grandes problemas que hoje nos afligem enquanto cidadãos,
iremos encontrar, de pronto, as suas enormes e inquebrantáveis raízes nascidas
daquilo que anteriormente todas as gerações anteriores, até aos dias hodiernos,
julgaram ser a solução: A cidade.
A cidade é para mim a maior
excrescência da necessidade humana. Suas ruas asfaltadas, para que os carros
corram mais com seus redutores de velocidade, para que os carros corram menos;
suas casas perto uma das outras, na busca de proteção e unidade, mas divididas
por suas cercas e muros para que não se perca a individualidade, é o mais
desqualificado e paradoxal desencontro da inteligência humana. A unidade social
que deveria ser uma poderosa proteção é a mesma que nos assusta e exige uma
concorrência insana entre o aparato policial (cada mais sofisticado e letal) e
o dos bandidos periféricos soltos e bem treinados pela guerrilha urbana.
O político (polis), cidadão que
criou a condição urbana (urbis) de convivência, sofisticou-a com a ética, a
moral, a forma e a norma é o mesmo que, para o bem do cidadão requer agora,
como acima exposto, a sua própria dissolução. Foram modelos longamente testados
no transcorrer da história para que no grupo (cidade) pudéssemos ser
identificados. A cidade daria ao homem uma individualidade que só poderia ser
identificada no meio plural. Daí suas hierarquias, castas e divisões. Parece-me
que o sistema implodiu. Os que vivem nos grandes aglomerados urbanos, se
engaiolam em apartamentos em forma de pombais para não serem vistos com
indivíduos e nem identificados como aqueles da polis. Nesses casos ser reconhecido é colocar-se em risco. Quanto
mais desconhecido, quanto mais anônimo, mais seguro. A cidade que foi edificada
como utopia para as unanimidades hoje é o próprio palco por onde desfilam os
desfigurados, que todo mundo percebe e que, ao mesmo tempo, ninguém identifica.
O sistema que foi criado para marcar a individualidade engolfou-a, jogando-a
nos grandes abismos do ostracismo urbano. Os avatares, pronunciados pelas
utopias urbanas nos transformaram em “algo” antes mesmo que fossemos formatados
como “alguém”. Não podemos mais voltar para as matas ou às cavernas. O caminho
não tem volta. O homem pós-moderno se vê sem futuro e sem possibilidade de
retornar ao estágio primevo; o que era chamado de “festa das comunidades
tribais”, hoje sofre a alcunha de fastio dos contatos superficiais. A solidão
urbana é, pois, a mais terrível “química” criada pela urbi galopante; é a causa
das mais estranha somatizações que a alma empobrecida oferece ao corpo; é a
fonte de dores sutis que geram abandono, morte, entorpecimento e, quando não,
suicídios nem sempre cabíveis às estatísticas.
A boa notícia é que Deus não
desistiu da cidade. Ele não quer restaurar Babel (Gn 10: 8-10; 11: 1-5), que é
a Babilônia com seus jardins destruídos (Dn. 4:28-31) e nem mesmo a Jerusalém
de Davi. A proposta de Deus é transformar a utopia do homem – a Cidade do Homem
(Harvey Cox) em realidade arquetípica tão ansiada pelos corações políticos
(polis) da humanidade não colocadas em efeitos nas cidades como geradores de
unidade, unanimidade, propósito e esperança. Bem que se poderia evocar aqui o
pensamento de Santo Agostinho ao confrontar a Cidade de Deus (a Nova Jerusalém)
com a poderosa, mas desastrosa Cidade do Homem (Roma).
Ali – na Cidade de Deus – todas
as utopias humanas serão possíveis, pois o arquiteto supremo que a construíra é
o mesmo que nos “arquitetou”, célula por célula. Haverá uma homeostase entre cidade
e cidadãos. No dizer de Paulo seremos concidadãos dos santos, seremos da
família de Deus.
Conforme a visão magnificada do
Apocalipse, na Nova Cidade, os muros não nos dividirão; suas medidas possíveis
não nos limitarão; suas ruas áureas não nos ofuscarão; as nossas diferenças
individuais nos convidarão a viver o poder da edificação da “morada de Deus no
Espírito” (Hb. 12: 22; Ap. 21 e 22; Ef. 2: 19-22).
Cícero Brasil Ferraz
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