Por ser a religião de caráter
inefável, qualquer tentativa em defini-la nos faria tão-somente substituir um
inefável por outro. No máximo que poderíamos chegar é substituir o
incompreensível pelo desconhecido. Muda um pouco mas não avança muito. Esse
“passo” talvez aplacaria um pouco a consciências dos sociólogos, psicólogos ou
até de alguns teólogos que não conseguem “dar o salto”, conforme quer
Kierkgaard, para o mundo da fé, que é a relação com o sagrado, o transcendental
o encantado e acromático de Rudolf Otto. Pois é neste sentido preciso, e em
nenhum outro mais antológico, é que a religião permite a transcendência.
A crise está no fato de pararmos
na encruzilhada da existência e perguntarmos: Definiremos a religião através de
experiências transcendentais ou de dogmas definitivos?
Seria simplesmente improvável a
possibilidade de percorremos toda a largueza e demandas dessa encruzilhada dada
insuficiência da nossa auto-suficiência. O próprio fato de reconhecermos esses
limites nos dá um “start” para acionarmos a dinâmica caleidoscópica de nossas
possibilidades. Com isso não estou reduzindo o meu juízo ao nada, mas, talvez,
partindo de um pressuposto que religião pertença a uma família de curiosos e às
vezes embaraçantes conceitos que a gente compreende perfeitamente até querer
defini-lo. O espírito humano é bastante humilde de proibi-lo pensar sobre Deus
e, ao mesmo tempo, também, bastante fraco para banir o excesso de ambição
transcendental de sua alma pelo sublime. É o que poderíamos chamar de
“escravidão desejante” – credo, ergo sum!
A etimologia do vocábulo “teologia”
já seria – pensando assim – uma limitação que o homem se auto-impõe; uma
limitação precedente da qual ele não consegue se livrar: Sabe que não sabe por
não saber o quanto sabe. Daí as múltiplas e variegada manifestações do
sentimento religioso visto, revisto e concebido por todas as etnias ao redor do
globo. Nesse sentido poderíamos conceituar as manifestações dos sentimentos
religiosos como uma ansiedade existencial em busca de uma segurança ontológica.
Essa “obsessão religiosa” é
incurável. Se nela o finito busca o infinito e, se é infinito, como alcançá-lo?
Como o finito pode alcançar o infinito sem a “mágica” da revelação? Certamente
que é por isso que o cristianismo seja feérico – a religião da fé
transcendente. Nele a transcendência
invade o tempo, o fato e o homem.
Entristece-me muito quando as
igrejas querem encapsular Deus em seus ritos. Parece-me que as liturgias de
hoje querem explica tanto o fenômeno da transcendência que acaba reduzindo-o ao
previsível, governável, manipulável; não compreendendo que talvez na duvida
sincera, na dor inexplicável, nos sentimentos ambivalentes se encontram a
verdadeira religião: Acreditar sem explicar, possuir sem poder dominar; sair ao
encontro do sagrado com a convicção de que precisava mais – mais saber, mais
possuir, mais crer e, ainda mais se entregar.
As religiões cristãs modernas
caem na bizarrice de explicar o inexplicável, como se pudessem ser o vigário que
conduz o fiel até o fim do infinito. Assim religião que é uma agência de “bem
de consumo” não consegue fidelizar os consumidores que ela mesma criou. Eles
saem dos ritos religiosos cheios de promessas e vazias de transcendência. Daí o
auditório religioso ser sempre flutuante, instável e auto-descartável: Onde
falta o mistério não cabe a fé.
A religião definitiva não elimina
todos os buracos e gretas da alma: Não consegue extinguir o medo último do
abandono e nem consubstanciar o vazio de quem está cansado, “louco” para
encontrar um colo onde descansar para sempre. A religião institucionalizada passa
por um viés ao contrário: Propõe a idéia da auto-suficiência humana quando
propugna que a essência da religião concentra-se em tarefas que os seres
humanos podem executar: Campanhas de oração, votos, promessas e tantos outros
condões que pragmatismo triunfalista celebra e consagra.
Com esse foco a religião
momentânea quer “driblar” o sonho escatológico, inerente ao ser humano. Se tudo
se resume ic et nunc, a alma do
cultuante sem a expectativa do amanhã, sem utopias se torna vazia ofegante. A
única esperança que lhe resta é a tênue certeza de que os receptores da graça
(santos, eremitas, místicos, monges, ascetas, dervixes, padres e pastores), lhe
traga pronto, materializados pelos abundantes signos aquilo que os próprios
orantes gostariam de encontrar pelos caminhos da fé transcendental.
Cícero Brasil Ferraz
Nenhum comentário:
Postar um comentário