Sempre somos muito inquietos para com a vida. Talvez esta inquietude se deva ao caráter líquido e até volátil da nossa própria finitude. Daí a angústia e ansiedade, como xifópagas, não se "descolarem" de nós, mesmo sob pena de autodestruição. A nossa pressa, insegurança são as consequências vindicadoras deste estado de ser-para-o-fim. São, por assim dizer, como um tubérculo que prepondera por baixo, como um crescimento tumoral até dar-se a conhecer na superfície das nossas angústias existenciais que se expõem claramente em nossa pressa, impaciência e insegurança. É aquilo que os especialistas do mundo "psi"chamam de "bacilos de nossas inquietações".
Em que pese as virtudes da finitude - e não são poucas, mas não é esse o nosso escopo, portanto, não nos cabe aqui falar sobre elas, - ela é única realidade que nos move para frente, é a que cria a teimosa esperança aquela que, como uma miragem, que na realidade não existe, mas nos ajuda a chegar "lá" do outro lado, para então enfrentarmos novas frustrações e com novas esperanças chegando àquele lugar onde construímos nossas tendas e nunca nossas casas. O nosso habitat tem como fundamento, a resposta final "is bloyng in the wind" (vento que sopra) de Bob Dylan. Nestes casos, a esperança humana é como alguém que quer encontrar um lugar permanente de residência logo depois "daquela curva", mas quando lá se chega, encara a dura realidade que o "depois daquela curva", é exatamente o seu epicentro". O que estampa, então, à nossas vista é nosso espírito arrivista, negociadores com tempo; alguém já no lugar, mas não inteiramente do lugar. É somente um aspirante e residente sem permissão de residência; uma espécie de pároco do mundo.
A desesperada esperança de um peregrino está na certeza do fato de que o seu vizinho também vive assim - a certeza de que ele também vai embora um dia e dará lugar a outro e é isso - exatamente isso- que dará firmeza o seu lugar também na partida. E, assim, os nômades disputam com os outros nômades o direito de fornecerem alvarás de residência uns aos outros. Essa sucessão de movimentos espasmódicos é - usando uma metáfora que conhecemos - um trem desenrolando seus trilhos adiante de si ou, então, como as cheias de um rio que arrastam suas margens consigo. O trem não deixa o trilho para frente, e o rio não deixa a margem para trás.
Não deixando nada para trás e engolindo tudo para frente, ele (o peregrino) se vê subjugado pela esperança que sua vez já se tornou ancila da tirania das possibilidades. Sabe que lá é o seu lugar, mas "lá" já não existe. À sua volta ouve sempre um som agudo de denúncia que roubaram dele o seu antigo ninho - o seu "lá". Nessa altura surge então o apelo de voltar para o lugar das possibilidades, das oportunidades para, quem sabe, um dia o seu lugar perdido nele mesmo seja realmente o seu lugar permanente: neste caso, a autonomia da esperança transformou-se em tirania das possibilidades; e começa tudo de novo...como o vento de Bob Dylan. É exatamente nesse momento que o imigrante descobre que as muitas possibilidades que ele conheceu - e é exatamente por conhecê-las - roubaram-lhe um lugar definido, fortificado pelo senso de pertencimento e que as definições que eram, até então categóricas, universais não são mais fidedignas armaduras com as quais vencerá o caráter fissíparo das relações pessoais. Torna-se astronauta (sem peso), vencido pela gravidade, que encosta os pés na lua, mas que não sente como se pisasse em um lugar sólido: uma conquista sem peso e sem posse.
Cícero Brasil Ferraz
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