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5.10.12

O RETORNO DO MINOTAURO

Tenho argumentado em alguns escritos que a sociedade destruiu os seus paradigmas, tais como família, religião, o conceito de autoridade e relacionamentos responsivos e congruentes. Quero, outrossim, deixar bem claro, que destruir paradigmas não é de todo ruim quando, em lugar do quebrado, se crie outro, mesmo que seja para pior. Mas o que acontece é que os paradigmas foram destruídos e não se tem colocado nada em seu lugar. Daí o vácuo, a náusea, a insatisfação e o fastio que a vida além da modernidade incita.
Nesse vácuo sombrio – e exatamente aí -, em meio a homens inseguros e desnorteados reaparece  como solução imperiosa e bruta, como um minotauro ressurreto, uma velha orientação da qual a humanidade tentou e tenta fugir desesperadamente até aos dias hodiernos: o fundamentalismo. Se o homem perdeu o seu destino os pressupostos fundamentalistas renascem como antiresposta à sua fragilidade existencial e à sua despropositada vida. Assim, propõe um super-homem dotado do controle dos fatos e da história. É o destino do homem sob o controle do homem. Como consequência, nasce desse bojo, a religião controladora, a política das certezas e o etnocentrismo narcísico.
fundamentalismo, quer na esfera tribal, política ou religiosa é, e sempre será, insano. Não pretende, em primeiro plano, obstar o homem do progresso quer, isso sim, controlá-lo pelo simples prazer de manipulá-lo, manuseá-lo e até escravizá-lo. O preço que depois essa orientação cobra e que seus seguidores necessariamente pagam, é a agonia de uma sociedade condenada a uma autosuficiência  fossilizada e a uma auto confiança solitária e um futuro previsível relegada à uma vida sem escolha por não permitir riscos e nem o sabor de encontrar no incerto o cheiro do novo.
Talvez esse fenômeno exumado tenha tanto vigor em nossos dias pelo fato – e isso não podemos negar – dessa orientação saber mapear, prospectar, descrever e nomear os inegáveis problemas que afligem esse over-man (o homem além de sua própria história). É exatamente no diagnóstico que o fundamentalismo encontra sua força cativando gente frágil, sem história, sem isenção crítica, pronta a pagar o auto preço por qualquer certeza mesmo que seja com a convicção de que ser escravo protegido é melhor do que ser um peregrino livre. A clientela do fundamentalismo geralmente se constitui de homens e mulheres que tem pavor da inadequação pessoal, que vivem diariamente o pesadelo de não estarem à altura das novas e desafiantes fórmulas de vida que o futuro caprichosamente auspicia: a irreparável fraqueza do individuo humano, comparada com a onipotência de sua própria espécie. São vidas sem mentores, sem sábios, filósofos ou poetas movidas pela autodisciplina cega propugnada por especialistas mais iguais do que seus pares.
A grande promessa do fundamentalismo é a de libertar os seus adeptos da agonia da escolha. Tudo está pronto, definido e sob controle. Eles não precisam correr mais riscos que a liberdade e o novo indefectívelmente oferecem. São verdades mortas, jornal do dia anterior que teima em ser notícia nova ainda hoje, fármacos com validade vencida e profecias já cumpridas em tempos antanhos que prometem com essas verdades mortas uma nova e definitiva resposta para os complexos e quase indecifráveis enigmas da nossa pós história.
A volta da ditadura católicoromana promovida pela ascensão de Bento XVI, o integrismo islâmico dos aiatolás, o estilo da Irmandade Muçulmana, o movimento chassidístico atual, os novos ícones do evangelicalismo neopentecostal e o surgimento do protestantismo neopuritano são algumas das evidências de que os genes minotáuricos estão vivos e ativos replicando suas mazelas e seus filhotes por todo mundo.
Não é pecado buscar verdades vivas que homens mortos nos deixaram, mas é indesculpável nos submetermos à verdades mortas que os vivos querem nos impor.

Cícero Brasil Ferraz