Tenho
argumentado em alguns escritos que a sociedade destruiu os seus paradigmas, tais
como família, religião, o conceito de autoridade e relacionamentos responsivos
e congruentes. Quero, outrossim, deixar bem claro, que destruir paradigmas não é
de todo ruim quando, em lugar do quebrado, se crie outro, mesmo que seja para
pior. Mas o que acontece é que os paradigmas foram destruídos e não se tem
colocado nada em seu lugar. Daí o vácuo, a náusea, a insatisfação e o fastio
que a vida além da modernidade incita.
Nesse vácuo sombrio – e exatamente aí -, em
meio a homens inseguros e desnorteados reaparece como solução imperiosa e bruta, como um minotauro
ressurreto, uma velha orientação da qual a humanidade tentou e tenta fugir
desesperadamente até aos dias hodiernos: o fundamentalismo. Se o homem perdeu o
seu destino os pressupostos fundamentalistas renascem como antiresposta à sua
fragilidade existencial e à sua despropositada vida. Assim, propõe um
super-homem dotado do controle dos fatos e da história. É o destino do homem
sob o controle do homem. Como consequência, nasce desse bojo, a religião
controladora, a política das certezas e o etnocentrismo narcísico.
fundamentalismo, quer na esfera tribal, política ou religiosa é, e sempre será,
insano. Não pretende, em primeiro plano, obstar o homem do progresso quer, isso
sim, controlá-lo pelo simples prazer de manipulá-lo, manuseá-lo e até escravizá-lo.
O preço que depois essa orientação cobra e que seus seguidores necessariamente
pagam, é a agonia de uma sociedade condenada a uma autosuficiência fossilizada e a uma auto confiança
solitária e um futuro previsível relegada à uma vida sem escolha por não
permitir riscos e nem o sabor de encontrar no incerto o cheiro do novo.
Talvez
esse fenômeno exumado tenha tanto vigor em nossos dias pelo fato – e isso não
podemos negar – dessa orientação saber mapear, prospectar, descrever e nomear
os inegáveis problemas que afligem esse over-man (o homem além de sua própria
história). É exatamente no diagnóstico que o fundamentalismo encontra sua força
cativando gente frágil, sem história, sem isenção crítica, pronta a pagar o
auto preço por qualquer certeza mesmo que seja com a convicção de que ser
escravo protegido é melhor do que ser um peregrino livre. A clientela do
fundamentalismo geralmente se constitui de homens e mulheres que tem pavor da
inadequação pessoal, que vivem diariamente o pesadelo de não estarem à altura
das novas e desafiantes fórmulas de vida que o futuro caprichosamente auspicia:
a irreparável fraqueza do individuo humano, comparada com a onipotência de sua
própria espécie. São vidas sem mentores, sem sábios, filósofos ou poetas
movidas pela autodisciplina cega propugnada por especialistas mais iguais do
que seus pares.
A grande promessa do fundamentalismo é a
de libertar os seus adeptos da agonia da escolha. Tudo está pronto, definido e
sob controle. Eles não precisam correr mais riscos que a liberdade e o novo
indefectívelmente oferecem. São verdades mortas, jornal do dia anterior que
teima em ser notícia nova ainda hoje, fármacos com validade vencida e profecias
já cumpridas em tempos antanhos que prometem com essas verdades mortas uma nova
e definitiva resposta para os complexos e quase indecifráveis enigmas da nossa
pós história.
A volta da ditadura católicoromana promovida pela ascensão de Bento XVI, o integrismo islâmico dos aiatolás, o estilo da Irmandade Muçulmana, o movimento chassidístico atual, os novos ícones do evangelicalismo neopentecostal e o surgimento do protestantismo neopuritano são algumas das evidências de que os genes minotáuricos estão vivos e ativos replicando suas mazelas e seus filhotes por todo mundo.
Não é pecado buscar verdades vivas que homens
mortos nos deixaram, mas é indesculpável nos submetermos à verdades mortas que
os vivos querem nos impor.
Cícero Brasil Ferraz