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30.1.14

TIPO, ANTÌTIPO E ARQUÉTIPO- UMA HERMENÊUTICA DA CULPA

Sou um homem religioso. Todavia reconheço como tal e, que, como dotado de algum saber, que a religião - uso esse termo religião no sentido mais geral possível- tem sido a causa de muitos males à sociedade, quando analisada sob os aspectos infra-descritos.
O homem "primitivo" (uso este termo com muitas reservas, pois eu não sei que é mais primitivo se o silvícola colhendo frutas e raízes; caçando e se escondendo nas cavernas ou o homem pós-moderno solitário, angustiado, entorpecido dentro de seu apartamento; longe dos rios, das matas e da esperança de dias melhores) quando não achava resposta para muitos de seus males e de suas questões existenciais, buscava encontrar alívio em algum tipo de explicações provindas do além sempre mediadas por xamãs, pagés, benzedeiras e tantos outros caminhos pontificados entre o "aqui e agora" e o "lá e então".
Já, no florescer do séc. V, com a sofisticação hierárquica do cristianismo, a Igreja "toma" o direito das outras potestades,  assumindo a postura de medianeira da condição desprotegida do "homem contingencial" que buscava a certeza daquilo que lhe fosse necessária e, que, assim, garantisse alguma promessa confortadora que apontasse para a o amanhã outrossim, que lhe fornecesse respostas permanentes para as grandes questões existenciais, psicológicas e espirituais. Aqui entra a igreja, com o dístico extra eclesiam nulla salus  que a tudo compreendia, tudo podia, tudo sabia, tudo decidia; era a Grande Mãe que apaziguava os corações; aliviava as mentes atormentadas e preservava o futuro secular e espiritual dos "ignorantes" (fiéis).
Nesse contexto, o confessionário era o poderoso "divã" onde o homem expurgava seus pecados, afugentava seus fantasmas, assim como   nos grandes ritos tribais ao redor de suas fogueiras como aos pés de seus moais e totens em que o homem primevo também fazia através de suas oblações.
Hoje, pobres de nós "civilizados", buscamos conforto nos "ismos" que nos circundam diariamente: Racionalismo, iluminismo, catolicismo, protestantismo, evangelicalismo, socialismo, democratismo, cientificismo, espiritismo e tantos  outros "ismos". Neste sentido, o homem moderno e  "civilizado" é tão infantilizado quanto  o bom silvícola de Rousseau, é tão sistemático (de sistema) quanto aquele da "sociedade do espetáculo" de Guy Debord. Somos todos como a heroína de H.G. Wells, do clássico Christina Alberta's Father que, em todas as suas ações, sentimentos e decisões se sente submetida à vigilância de uma autoridade moral que Wells chama de "court of conscience"  tão bem debatida por Saulo de Tarso (Apóstolo São Paulo) no início de sua famosa Carta Aos Romanos.
Essa "consciência" é o tesouro de pressupostos que, ao faltar um critério consciente e idôneo sobre quase tudo, sugere imediatamente uma opinião "ex cathedra" pela qual possa não se culpar sozinha, caso  não atinja os páramos da perfeição que militam contra as sua mazelas existenciais.
Essa "consciência" por não suportar seus fracassos escolhe seus deuses  como parceiros e vicários de seus males; afinal, os deuses não são só bonzinhos...por isso, devem partilhar com ela (consciência), o doloroso preço de seu cáutero. Aliás, essa tem sido a mais poderosa reflexão que "o pobre silvícola pós-moderno" tem feito: A de ponderar sobre o culpado de sua culpa que os deuses e os "ismos", coniventes com seu ambiente, lhe legaram; e quando não refletem sobre o "peso dessa corte" (porque refletir é ume proposta sofisticada e  que exige  coragem existencial de um cérebro quase sempre preguiçoso e sempre indolor), prefere optar pelo niilismo. Assim, entre "caprichos" e "opiniões", homens e mulheres, propõem armistícios  às suas  melancolias e seus fantasmas.
Uma outra via pela qual o homem pós-moderno se defende da culpa é usando sua autonomia. Essa arrogância "cult" torna-o ilusória e provisoriamente independente dos deuses, dos ambientes e das pessoas. Nesse caso é fácil encontrá-lo "trash" no que se refere às questões da alma, das relações interpessoais e da grandeza do mundo espiritual. Ao final, portanto, se acha carente de consolação, conforto social e espiritual; não consegue, destarte, encontrar explicação para o descompasso entre a seu saber crescente e sua alma mendicante.
Talvez o que irá aproximar esse homem do "sí-mesmo" seja a conscientização de que ele é uma espécie de casa cuja as portas e janelas se abrem para o mundo, que  objetos e conteúdos do seu mundo interior atuam sobre ele, mas não lhe pertencem; que a última esperança não está nele mesmo - vem de fora... além do seu imaginário, de toda a sua policiência e de todo o seu saber; que ele é pequeno demais para dar a si mesmo o título de "autônomo"; de que ele não é dono de sua própria "casa" - mesmo que tente substituir seus "deuses" pelos "ismos" pois que, sempre aquela odiosa reflexão, inopinadamente, emergirá dos abismos para jogá-lo novamente de volta à sua condição finita do eterno dependente.





 


Cícero Brasil Ferraz

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