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21.9.12

O GATO FÉLIX – CORRENDO EM CÍRCULO ATRÁS DO RATO

Abro este tema afirmando que toda escolha que faço – mesmo sendo a mais pensada, ponderada, experimentada por suas variantes – é provida de alguma perda. Ninguém ganha tudo em uma escolha. Outrossim, qualquer valor só é valor graças a perda de outros valores que se tem de sofrer afim de obtê-lo.
O homem moderno, o do século XX, em busca de certezas, fez da ciência e do conhecimento experimental a sua maior escolha e, portanto, atrofiou a sua sensualidade, tornando seu saber mecânico, em um sofisticado banquete, mas que não tinha tempero algum. Uma abstração carente de emoção. Por isso se prestou tanto prestígio de que hoje ainda goza, em certos círculos, a famigerada “inteligência emocional”.  
Já, na pós-modernidade, esse mesmo homem avaliando seus ganhos e perdas descobre que, geralmente, precisa exatamente daquilo que mais lhe falta. E como encontrar o “isso” se a religião não satisfaz o homem pós-moderno e nem a ciência dá sentido pleno a sua existência? Essa é a grande crise da pós-modernidade: encontrar uma síntese entre felicidade e segurança. Mas como organizar o seu pensamento quando toda segurança só pode nascer de toda certeza, e toda felicidade só da plena liberdade (inclusive liberdade de certeza)?
A gangorra entre a liberdade que lhe trás a felicidade e a certeza que lhe dá segurança é impulsionada para píncaros na busca frenética da existência plena de significado. Qualquer tentativa de um equilíbrio será apenas estagnação suicida que coxeia entre as seguintes fronteiras: a certeza cativa da liberdade e a felicidade filha da segurança que, ao fazer uma opção de qualquer uma delas, não compensa por serem ambas episódicas. Sem dúvida: a liberdade sem segurança não assegura mais firmemente uma provisão de felicidade do que segurança sem liberdade.  
Observando a avalanche histórica da modernidade é possível notar que os seus mal-estares provinham de uma espécie de segurança que tolerava uma liberdade pequena demais na busca da felicidade individual. Já, os mal-estares da pós-modernidade provêm de uma espécie de liberdade de procura de prazer que tolera uma segurança individual pequena demais.
Nesse abismo dialético é que esse homem se encontra hoje. A decisão que ele toma – e tem tomado – é de não fazer escolha alguma; como se isso já não fosse uma escolha. Daí encontrá-lo vago, vazio; sem projeto, arte, ícones, mitos ou gênios. A sua única certeza é de que ele ainda não fez a sua grande escolha e nem sabe se a fará. Não há nele nenhum apetite para esse tipo de avaliação porque isso não garante que esses valores diagnosticados suportem necessariamente um estado permanente de satisfação. É nessa estagnação suicida que ele encontra a desconstrução do grande edifício de seu mundo.

Cícero Brasil Ferraz

17.9.12

O GRIFO

Este blog “O grifo do Cícero” nasceu da necessidade de expor meus pensamentos e o “ponto de partida” da minha cosmovisão do mundo. Resisti bravamente entrar no “mundo das redes sociais”, mas descobri que estava perdendo uma grande oportunidade de me expor como um ser pensante e dotado de alguma luz para ajudar alguém nos grandes questionamentos da existência.
É óbvio que não sou e nem pretendo ser original. A diferença é: como eu não sou filósofo procuro imitá-los em suas ideias e em seus ideais porque, assim, quem sabe, de tanto imitá-los acabo criando um raciocínio e uma maneira filosófica próprios de pensar o mundo.
O meu background vai desde a empiria dos jônios até ao mundo da ideias de Platão; da ética estóica até as virtudes cristãs; das categorias metafísicas dos sábios como Jesus Cristo, Buda e Confúcio até à experiência definitiva de Moisés, Isaías, Saulo de Tarso, Santo Agostinho e Francisco da Assis com Tremendum et Fascinorum de Rudolf Otto; do ponto zero de Descartes até ao otimismo de Hegel; do pessimismo de Schopenhauer ao realismo de Nietzsch.
Ando pelos caminhos do físico e do metafísico; do reducionismo das categorias científicas ao delírio das religiões para chegar, então, ao homem da pós-modernidade – decepcionado com Deus, descrente que a razão tenha a resposta última da existência e consciente de que a ciência não comporta anseios de sua alma peregrina.
O homem religioso da Idade Média, o homem “ïluminado” da renascença, o homem científico do sec. XX com tudo que conheceu em sua jornada, não encontrou o seu RG mais consistente e satisfatório. Agora, no séc. XXI, ei-lo vazio, volátil, liquido. Suas crenças e valores foram desfeitos pela a infinitude daquilo que na verdade o constitui, Não há mais nada em que se possa apegar. Os dogmas, as normas, os paradigmas não lhe dizem mais nada. A única certeza que ele tem é do agora que de repente já não existe mais.


Cícero Brasil Ferraz

ESSE HOMEM SEM SOMBRA


Será que poderíamos desenhar o perfil do homem pós-moderno? Ou querendo explicar: Por que a definição desses perfis é tão multifacetada, descentralizada, disforme e, ainda, como diria o vulgo, é tão “sem eira e sem beira”?
Não há como abordar um tema tão subjetivo e abrangente sem ser relativista e despluralizado, tal é a inconsistência da construção de regras e modelos que a própria sociedade tem criado: O mundo construído de objetos duráveis, substituído pelo o de produtos disponíveis, projetados para sua imediata absolescência; um mundo em que as regras são mudadas num instante para, um pouco depois as mesmas regras descartadas – e quando não outras – se tornam definitivas no resultado final do jogo da vida, indo e voltando a partir de movimentos inconstantes, até não saber mais quando.
Destes questionamentos tão leves quanto a “insustentável leveza do ser” é que o homem pós-moderno se vê às voltas com sua identidade: Sua angústia se intensifica quando nesse vai e vem se vê desconhecido de si mesmo, e o pior,  sem saber de onde partir para chegar no seu si-mesmo; ou quando não, encontrar um pressuposto ontológico exatamente de acordo com as regras que constituem o alicerce da natureza fissípara das suas relações objetais.
Nesse ponto de nossa história sem história para contar, no que já envelheceu antes mesmo de ser bem-nascida é que surge a identidade desse próprio homem, ou seja, os vínculos com as pessoas e coisas que desenham sua identidade se lhe surgem como espelhos voláteis e distorcidos que determinam  a sua cognição a seguinte pergunta: “que cara tenho” desde que o que permanece depois daquilo que o constituiu, não existir mais? Daí a identidade do homem pós-moderno ser constantemente precoce e inevitavelmente descartável.
Dessa relação sem a interface da face que dá contornos a identidade, nasce o seu desinteresse de se arregimentar para novos projetos e realizações pessoais. Qualquer tentativa do novo torna-se, nesse caso, frágil e errátil. Como pode alguém investir em algo que hoje é crédito e amanhã será débito? Como investir em um relacionamento com alguém que não se consegue levar “dentro” depois de um encontro, por não ter esse alguém algo com que esse homem pós-moderno se identifique permanentemente? Viver, relacionar, decidir, criar não passa de um ato inócuo como trocar uma roupa esportiva por uma social. Por ser sazonal, o que permanece é o vazio da identidade de quem esse homem é – pois alguém só é em relação a pessoas ou a objetos. Não é de se surpreender, pois, encontrar esse homem sem fascínio, encanto ou sem projetos que o identifique como agente que não somente lê história, mas que na verdade deveria construí-la. Daí porquê as relações serem voláteis, os projetos de curto prazo e as verdades relativas, enfim, convive com essa proibição tácita, contudo poderosa de relacionar o passado com o futuro. O homem do presente é de uma cronologia sem sequencia, o que se reverte na sua não-história; sua identidade é translúcida e efêmera no seu mundo curto e sem fronteiras; ele é do presente continuo, ou de um tempo que não estrutura o espaço; do tempo que não há como ir pra frente ou pra trás.
A perpetuação do tempo contínuo se mostra mais claro quando a sociedade do lazer procurar roubar desse homem o privilégio de ser triste, de chorar, de adoecer, e de morrer; quando a indústria da beleza promete a fonte da juventude continua escancarada nos rostos esticados e sem rugas; quando a máquina do consumo não permite a purificação do organismo ao se encontrar em um estado de jejum ou depuração (como se uma “pitada” desses “venenos” não o curasse de muito outros males de que hoje ele padece).
Aqui chegamos a um outro corolário: O homem não somente cria sua identidade na relação com pessoas e coisas como também cria-a dentro do tempo e do espaço, por assim dizer, a identidade é desenhada e reconhecida na força do tempo e através de momentos histórico–espaciais. Assim: Toda identidade também é constituída no fato. Portanto, o eixo da estratégia pós-moderna não é fazer a identidade deter-se, mas evitar que se fixe. Na verdade – e de verdade – o tempo passa, mas como ele passa é sem um propósito definido. Não vai “para”, só vai; seus movimentos parecem aleatórios, dispersos e destituídos de uma direção bem delineada, uma direção acumulativa e expansiva. Assim, quando o tempo se move não se sabe se vai pra frente ou pra trás, ou se o movimento é progressivo ou regressivo. Qualquer movimento é um cripto-movimento por não ser hipostático.
Gosto da oração de Moises: “...ensina-nos a contar os nossos dias para que alcancemos um coração sábio”, ou seja, que cada minuto no tempo não se desperdice no vazio despedaçado de desespero humano; que cada fato seja relacional, interativo, construtivo e, que, harmonize de tal forma o humano na relação com as coisas, com as pessoas e com o sagrado que esse homem brote novo e divinizado – feito à semelhança de Cristo.


Cícero Brasil Ferraz

RELIGIÃO – FÉ, FADAS E FOBIAS


Por ser a religião de caráter inefável, qualquer tentativa em defini-la nos faria tão-somente substituir um inefável por outro. No máximo que poderíamos chegar é substituir o incompreensível pelo desconhecido. Muda um pouco mas não avança muito. Esse “passo” talvez aplacaria um pouco a consciências dos sociólogos, psicólogos ou até de alguns teólogos que não conseguem “dar o salto”, conforme quer Kierkgaard, para o mundo da fé, que é a relação com o sagrado, o transcendental o encantado e acromático de Rudolf Otto. Pois é neste sentido preciso, e em nenhum outro mais antológico, é que a religião permite a transcendência.
A crise está no fato de pararmos na encruzilhada da existência e perguntarmos: Definiremos a religião através de experiências transcendentais ou de dogmas definitivos?
Seria simplesmente improvável a possibilidade de percorremos toda a largueza e demandas dessa encruzilhada dada insuficiência da nossa auto-suficiência. O próprio fato de reconhecermos esses limites nos dá um “start” para acionarmos a dinâmica caleidoscópica de nossas possibilidades. Com isso não estou reduzindo o meu juízo ao nada, mas, talvez, partindo de um pressuposto que religião pertença a uma família de curiosos e às vezes embaraçantes conceitos que a gente compreende perfeitamente até querer defini-lo. O espírito humano é bastante humilde de proibi-lo pensar sobre Deus e, ao mesmo tempo, também, bastante fraco para banir o excesso de ambição transcendental de sua alma pelo sublime. É o que poderíamos chamar de “escravidão desejante” – credo, ergo sum!
A etimologia do vocábulo “teologia” já seria – pensando assim – uma limitação que o homem se auto-impõe; uma limitação precedente da qual ele não consegue se livrar: Sabe que não sabe por não saber o quanto sabe. Daí as múltiplas e variegada manifestações do sentimento religioso visto, revisto e concebido por todas as etnias ao redor do globo. Nesse sentido poderíamos conceituar as manifestações dos sentimentos religiosos como uma ansiedade existencial em busca de uma segurança ontológica.
Essa “obsessão religiosa” é incurável. Se nela o finito busca o infinito e, se é infinito, como alcançá-lo? Como o finito pode alcançar o infinito sem a “mágica” da revelação? Certamente que é por isso que o cristianismo seja feérico – a religião da fé transcendente.  Nele a transcendência invade o tempo, o fato e o homem.
Entristece-me muito quando as igrejas querem encapsular Deus em seus ritos. Parece-me que as liturgias de hoje querem explica tanto o fenômeno da transcendência que acaba reduzindo-o ao previsível, governável, manipulável; não compreendendo que talvez na duvida sincera, na dor inexplicável, nos sentimentos ambivalentes se encontram a verdadeira religião: Acreditar sem explicar, possuir sem poder dominar; sair ao encontro do sagrado com a convicção de que precisava mais – mais saber, mais possuir, mais crer e, ainda mais se entregar.
As religiões cristãs modernas caem na bizarrice de explicar o inexplicável, como se pudessem ser o vigário que conduz o fiel até o fim do infinito. Assim religião que é uma agência de “bem de consumo” não consegue fidelizar os consumidores que ela mesma criou. Eles saem dos ritos religiosos cheios de promessas e vazias de transcendência. Daí o auditório religioso ser sempre flutuante, instável e auto-descartável: Onde falta o mistério não cabe a fé.
A religião definitiva não elimina todos os buracos e gretas da alma: Não consegue extinguir o medo último do abandono e nem consubstanciar o vazio de quem está cansado, “louco” para encontrar um colo onde descansar para sempre. A religião institucionalizada passa por um viés ao contrário: Propõe a idéia da auto-suficiência humana quando propugna que a essência da religião concentra-se em tarefas que os seres humanos podem executar: Campanhas de oração, votos, promessas e tantos outros condões que pragmatismo triunfalista celebra e consagra.
Com esse foco a religião momentânea quer “driblar” o sonho escatológico, inerente ao ser humano. Se tudo se resume ic et nunc, a alma do cultuante sem a expectativa do amanhã, sem utopias se torna vazia ofegante. A única esperança que lhe resta é a tênue certeza de que os receptores da graça (santos, eremitas, místicos, monges, ascetas, dervixes, padres e pastores), lhe traga pronto, materializados pelos abundantes signos aquilo que os próprios orantes gostariam de encontrar pelos caminhos da fé transcendental.  


Cícero Brasil Ferraz

ABE URBE CONDITIA


Se levarmos às últimas conseqüência os grandes problemas que hoje nos afligem enquanto cidadãos, iremos encontrar, de pronto, as suas enormes e inquebrantáveis raízes nascidas daquilo que anteriormente todas as gerações anteriores, até aos dias hodiernos, julgaram ser a solução: A cidade.
A cidade é para mim a maior excrescência da necessidade humana. Suas ruas asfaltadas, para que os carros corram mais com seus redutores de velocidade, para que os carros corram menos; suas casas perto uma das outras, na busca de proteção e unidade, mas divididas por suas cercas e muros para que não se perca a individualidade, é o mais desqualificado e paradoxal desencontro da inteligência humana. A unidade social que deveria ser uma poderosa proteção é a mesma que nos assusta e exige uma concorrência insana entre o aparato policial (cada mais sofisticado e letal) e o dos bandidos periféricos soltos e bem treinados pela guerrilha urbana.
O político (polis), cidadão que criou a condição urbana (urbis) de convivência, sofisticou-a com a ética, a moral, a forma e a norma é o mesmo que, para o bem do cidadão requer agora, como acima exposto, a sua própria dissolução. Foram modelos longamente testados no transcorrer da história para que no grupo (cidade) pudéssemos ser identificados. A cidade daria ao homem uma individualidade que só poderia ser identificada no meio plural. Daí suas hierarquias, castas e divisões. Parece-me que o sistema implodiu. Os que vivem nos grandes aglomerados urbanos, se engaiolam em apartamentos em forma de pombais para não serem vistos com indivíduos e nem identificados como aqueles da polis. Nesses casos ser reconhecido é colocar-se em risco. Quanto mais desconhecido, quanto mais anônimo, mais seguro. A cidade que foi edificada como utopia para as unanimidades hoje é o próprio palco por onde desfilam os desfigurados, que todo mundo percebe e que, ao mesmo tempo, ninguém identifica. O sistema que foi criado para marcar a individualidade engolfou-a, jogando-a nos grandes abismos do ostracismo urbano. Os avatares, pronunciados pelas utopias urbanas nos transformaram em “algo” antes mesmo que fossemos formatados como “alguém”. Não podemos mais voltar para as matas ou às cavernas. O caminho não tem volta. O homem pós-moderno se vê sem futuro e sem possibilidade de retornar ao estágio primevo; o que era chamado de “festa das comunidades tribais”, hoje sofre a alcunha de fastio dos contatos superficiais. A solidão urbana é, pois, a mais terrível “química” criada pela urbi galopante; é a causa das mais estranha somatizações que a alma empobrecida oferece ao corpo; é a fonte de dores sutis que geram abandono, morte, entorpecimento e, quando não, suicídios nem sempre cabíveis às estatísticas.
A boa notícia é que Deus não desistiu da cidade. Ele não quer restaurar Babel (Gn 10: 8-10; 11: 1-5), que é a Babilônia com seus jardins destruídos (Dn. 4:28-31) e nem mesmo a Jerusalém de Davi. A proposta de Deus é transformar a utopia do homem – a Cidade do Homem (Harvey Cox) em realidade arquetípica tão ansiada pelos corações políticos (polis) da humanidade não colocadas em efeitos nas cidades como geradores de unidade, unanimidade, propósito e esperança. Bem que se poderia evocar aqui o pensamento de Santo Agostinho ao confrontar a Cidade de Deus (a Nova Jerusalém) com a poderosa, mas desastrosa Cidade do Homem (Roma).
Ali – na Cidade de Deus – todas as utopias humanas serão possíveis, pois o arquiteto supremo que a construíra é o mesmo que nos “arquitetou”, célula por célula. Haverá uma homeostase entre cidade e cidadãos. No dizer de Paulo seremos concidadãos dos santos, seremos da família de Deus.
Conforme a visão magnificada do Apocalipse, na Nova Cidade, os muros não nos dividirão; suas medidas possíveis não nos limitarão; suas ruas áureas não nos ofuscarão; as nossas diferenças individuais nos convidarão a viver o poder da edificação da “morada de Deus no Espírito” (Hb. 12: 22; Ap. 21 e 22; Ef. 2: 19-22).


Cícero Brasil Ferraz