Assuntos

31.3.14

GHOST - O LADO DE DENTRO YANKEE

Não há  que se  discutir a supremacia -  ainda que evanescente - dos EUA sobre qualquer outra nação deste planeta. Seu modelo de organização social, seus antigos pressupostos fundantes de um mundo livre, sua dinâmica de mercado e, até mesmo, seu poder bélico, foram ( e ainda são) paradigmáticos para todos os povos desde que o May Flower aportou no Cabo Cod (Mss)..
Por incrível que possa parecer, fundamentaram essa estrutura admirável sob aquilo que chamo de "inimigo impossível de ser vencido" : A sua obsessão e a total "mania" (uso esta palavra no sentido fóbico) de que sempre está - e estará- sob um possível ataque inimigo (" afinal, eu não creio em fantasmas mas que há, há"; como diriam os argentinos). Isso está mesmo no "gen sócio-psíquico" dos filhos da outra américa. Numa linha bem definida no tempo e na  história podemos destacar seus "inimigos" assim: Os índios, os ingleses, mais tarde, quando não tinham inimigos "exógenos" criaram um "endógeno" na guerra de secessão; e, ainda Hitler, os soviéticos, Komeine, Arafat, Saddam Hussein, Al-Qaeda, Ahmadinejad, mais recentemente Putin.
Só para abrir um parêntese, o 11 de setembro foi o momento mais sócio-orgástico dos vizinhos do norte. Foi a certeza irretorquível de que os fantasmas existem. A convicção que as sombras das ameaças eram, por dentro, hipostáticas. O Terrorismo ( uso "t" maiúsculo que de agora em diante é uma entidade) foi - e é- o pior de seus inimigos. Um inimigo sem pátria, sem bandeira, sem um presidente, sem hino ou sinetes. Um verdadeiro fantasma real! Mais do que um desastre social, o 11 de setembro foi um orgasmo fantasístico de um imaginário social fóbico.
Nações e povos, quaisquer deles, tem seus inimigos. Mas para os norte-americanos, eles não só existem como, quando não existem, são criados para, de alguma forma, manterem viva uma das poderosas "força ocultas" ( como diria Jânio Quadros) que os estruturaram sócio, psíquica, espiritual e materialmente. Apesar disso, e por isso, são o que são.
Todo status de ordem social (familiar, institucional, religioso, político) produz determinadas fantasias de perigos possíveis que possam ameaçar a sua identidade. Cada sociedade, porém, gera fantasias elaboradas segundo a sua própria medida - segundo a medida do tipo de ordem social que se esforça em ser. De um modo geral, tais fantasias tendem a ser imagens espelhadas da sociedade que as gera, enquanto a imagem de ameaça tende a ser um auto-retrato da sociedade com um sinal negativo. Ou para expressarmos em termos psicanalíticos, a ameaça é uma projeção da ambivalência interna da sociedade sobre seus próprios recursos, sobre a maneira como vive e perpetua o seu desenho existencial.
Uma sociedade insegura de sua sobrevivência seja ela qual for, irá desenvolver, indefectivelmente, uma mentalidade de "fortaleza sitiada". Mas os inimigos que lhe sitiaram os muros são os seu "próprios demônios interiores" - os medos reprimidos e circundantes que lhe permeiam a vida diária e a "normalidade", e que, no entanto, a fim de tornar suportável a realidade diária, devem ser dominados, extraídos do cotidiano vivido e emoldurado em um "corpo estranho", um inimigo tangível com quem se possa lutar, e lutar novamente , e lutar até sob a esperança de vencer.
Afinal, o Superman em (in)sã consciência jamais diria ao Ironman, que confidenciasse ao Batman, que existe um Funk Phantom a nos proteger por aí, não é mesmo Capitão América?
 

Cícero Brasil Ferraz

16.3.14

O ESTRANHO NO NINHO

O "pathos"  é um daqueles conceitos-metáfora que os gregos tão bem sabiam criar. Dele derivam outras variantes tais como simpatia, antipatia e apatia; e dele também o tão propalado conceito de empatia ( EM+PATHOS)
O "pathos grego" não é só um vocábulo; é-o, na verdade, um constructo, uma "relativnatüslich weltanschauung" (Max Scheler), uma maneira interativa de como alguém enxerga-sentindo o mundo de um modo diferente do seu, mas como se fosse o seu próprio. Pessoas, coisas, costumes e conceitos passam não só para a sua percepção mnemônica, mas também para o  EM do PATHOS (dentro; é isso que significa essa preposição na língua grega). Assim, EM+PATHOS, de onde deriva o verbete empatia, quer significar sentir dentro, doer dentro ou, ainda, ter paixão por algo e, principalmente por alguém.
Assim temos, portanto, o mais antigo conceito de empatia: Sentir o diferente dentro, como se fosse algo, algum ou alguém que sempre esteve ali; como algo que nos constituiu. Em outras palavras, como vulgarmente expressamos: é "estar na pele de alguém" ou, ainda, absorver a alteridade como composição hegemônica do si-mesmo.
A empatia não só capacita o homem entender e sentir o estranho como se fosse o seu próprio segmento, mas também possibilita que o relacionamento interpessoal se torne intrapessoal; que o estranho transite dentro de si como um "doméstico de absoluta confiança". A empatia é uma virtude que aprofunda as relações, relativiza as críticas frias e abre portas para um diálogo revolucionário e transformador. É nesse sentido que Breuer diz que  "as palavras curam".
O próprio "empático" (aquele que é tomado por esse sentimento-paixão) se compreende melhor, quando assim compreende o estranho que ora o habita. Cria aquele constructo de senso comum "de afeição das descobertas de suas verdadeiras diferenças"  quando, então, essa maturidade se fará "pontífice" do verdadeiro relacionamento interacional. Cria-se, com esse movimento biofílico, o que poderíamos chamar de "perspectivas recíprocas".
Só o pathos pode conceder ao homem a dor de conhecer o outro "lá dentro". Só se pode compreender os atos de outra pessoa se se puder imaginar quando que ele mesmo - o agente interacional-  praticaria atos análogos se estivesse na mesma situação, reguladas pelos mesmos motivos de por quê, orientado pelos mesmos motivos de para quê. Todas essas palavras compreendidas no mesmo sentido restrito da "típica" analogia, da "típica" uniformidade.
Compreendemos o estranho através dessa concepção "patológica", através dessa permutabilidade de ponto de vista; e, dessarte, se pode crescer em outras áreas da vida que somente serão conhecidas a partir do estranho que em mim se torna um-em-mim. Absorvemos e vivenciamos subjetividades e virtudes sem as quais jamais nos individuaríamos. 


Cícero Brasil Ferraz