O poder criativo do homem chamado pós-moderno parece-me, em primeira plana ter morrido ou, então, no mínimo, atrofiado. Ou ele não nasce ou, se nasce, não se desenvolve dado infertilidade do solo intelectual que o tem originado. Não se vê mais um novo filósofo jovem ( e não me diga que só a idade faz sábios, pois que, a única coisa que idade sabe fazer é o velho); não se vê mais alguém sobressair de entre as massas. A mediocridade ( o padrão médio) como déspota subjuga-nos a todos ao lugar-comum, ao esperado, aos clichês e ao senso comum.
Não creio que o homem do séc. XXI seja menos inteligente do que os do séc. XX ou do XIX e nem ao do séc. V a.C. Creio, isso sim, numa cultura de massa na qual o Eu Ideal (ichselbst) se tornara totalmente inibido por um virtual "eu-total". Esse "eu-total" é o da burocracia, da administração, da dominação e o da subjugação do Eu-Ideal em favor do ideal sem identidade própria, que hoje chamamos de "eu" da cultura globalizada ou globalização do "eu" sem cultura, conquanto cheio de informações.
O ambiente próprio onde cresciam os gênios: a autoridade individua do pai, o carinho específico e particular da mãe,e relação estreita com o pequeno grupo de irmãos ( o velho ninho que agasalhava os princípios da hierarquia e o respeito às individualidades), deu lugar ao processo massivo da "desindividualização" dos homem, promovido pelo grande e avassalador "eu-global", ou seja, a individualidade deu lugar a "globalidade". Num grande curriculum não se exige mais um "eu" a partir da individualidade e, sim, da "globalidade". A consciência moral e a responsabilidade pessoal degeneraram "objetivamente" sob as condições da burocracia total, dentro da qual é extremamente difícil atribuir-se ainda uma autonomia, pois é o aparato que imperiosamente determina a tal autonomia pessoal, pondo-se acima dela, "castrando" o desenvolvimento e a satisfação idealizadora da funções inatas da cada indivíduo.
O que acontece na área da falência da produção intelectual -mutatis mutandis- também se dá no campo das relações sociais:
Ficamos deprimidos e frustrados quando a mídia relata de forma tão crua e nua a banalização da morte. Na verdade, antes mesmo dessas mortes, outra mais hedionda aconteceu: a morte da individualidade. Quem morre agora não é mais um indivíduo e, sim, uma insignificante e minúscula parte do grande "eu-global"; e quem pratica o crime também não se sente responsável, enquanto indivíduo, visto que ele também nunca foi "observado" (querido) como indivíduo, a ele não se deu a importância que um Eu-Total tem como criador de um construto social. Tudo é banal quando o indivíduo não se sente parte, enquanto indivíduo, da construção do todo.
Como a grande burocracia global tem tentado "anestesiar" a incapacidade desse homem pós-moderno de criar e, por outra lado, o seu grande poder de "descriar" (matar)?
A saída é antiga e eficiente: Pão e circo. A indústria do entretenimento entra nessa hora como o grande apanágio libertador da angústia de não-ser alguém. Como nada mais pode ser personalizado, nada mais justo do que criar o entretenimento também de massa. E assim, no meio da massa, o Eu novamente é empanada pela "inteligentsia" do aparato burocrático. Novamente ele perde o seu valor intrínseco dando lugar ao eu-global.. É a total e absoluta privatização da individualidade, do poder criativo de um eu consciente, da capacidade de se autoenxergar como alguém e não como massa de manobra de "eu" que não o seu "Eu-Total". Daí a grande esquizoidia que afeta em pequena, média ou grande medida a todos nós.
Cícero Brasil Ferraz