Assuntos

16.5.14

NADAR É PRECISO

Há pessoas que nadam no mar; outras há que no pântano.
É óbvio que estou,  com o aforísmo acima, usando de um recurso conotativo de linguagem para levantar  questões como decisão, escolha, liberdade ou relacionamentos e outras variáveis quaisquer aplicáveis ao sensível e carente mundo dos homens, tão fartos de conhecimento e tão carentes de sabedoria.
 Dada a amplitude e a ubiquidade dos temas, deixo as aplicações pessoais e pontuais às expensas do meu paciente leitor; que ele faça as suas próprias transposições que a mim nem sempre são possíveis devido a minha falta de espaço ou mesmo de perícia.
Nadar no mar, no rio ou no igarapé - faço isso desde a minha idade meninil -  sempre me trouxe uma sensação de conquista, liberdade, leveza e até, num certo sentido, de purificação. Hoje, já adulto, aprendi com aquele "exercício expiatório" a submergir e emergir aos revezes da senectude sem perder, contudo, a experiência de reafirmar intacta, ante ao desgaste do sistema motor e intelectual, o peso subtraído pela leveza de se nadar em águas "leves". Aquela experiência juvenil traz-me a nítida revivescência que tenho controle completo sobre a "lei da gravidade" que exige que "vá para baixo" enquanto o meu corpo - por empuxo- ganha as alturas, dando-me a certeza de liberdade e de domínio. A qualquer momento posso, se desejar, sair da água, secar-me não receando, nem por um pouco, o  compromisso dogmático e legalista de averiguação de que se estou "puro" ou não; ou mesmo que se alguém vai me notar ou não. Destarte, sou o que penso que posso ser.
Nadar no lodo, na lama, na resina ou em algo viscoso é, não somente repugnante, mas também estagnador, represador e limitador. Ninguém sai indene de um "banho desses". Nessa "imundificação" sempre se sai  comprometido com o pegajoso, com a nódoa ou jaça. Quando alguém tenta se desfazer do viscoso, teimosamente ele permanece e, até "chupa" o nadador para um fundo ainda mais paralisante. Assim ele não é mais dono de si mesmo em toda a sua plenitude, tem o controle de suas ações só até ao ponto de subsistir. " O visgo é como um líquido visto num pesadelo, em que todas as suas propriedades são animadas por uma espécie de vida que volta-se contra mim" (Le Visqueux, J.P.Sartre).
Na orientação viscosa da vida o swimmer sente um estranho não-querido agarrado ao seu corpo tapando os seus poros. Quando invade esse líquido sente-se, por outro lado, imediatamente manietado por ele. Já não está sobre o seu controle e, sim, sob o controle daquilo que o repugna e o enoja. Já não é senhor de suas ações e não pode mais comandar as asas de sua liberdade - e alçar voo. Perdeu a volição ou, então, se encontra sob total ameaça de uma implosão relacional.
Já, em líquido leve, traça objetivos e tem total possibilidade de alcançá-los. Na resina, lama ou visgo não consegue se mover livremente como um autêntico sapiens. Tudo que poderá fazer é se mover o mínimo para não ser engolfado completamente pelo movediço.
Só há um caminho para se livrar do viscoso: É jogar-se de corpo e alma às ondas do mar, à pureza dos rios e à serenidade dos igarapés.
É claro que em uma escolha entre o lodo e o mar, há de se levar em conta, sempre, o potencial genético e o meio ambiente vivenciado pelo optante. Mas escolher o diferente em detrimento do outro será sempre o grande desafio de toda a sua existência. Ou nadar livremente rumo às curvas do desconhecido, do vivo e do excitante ou, então, paralisar no pegajoso, limboso mundo da semi-paralisia será a decisão de cada um - todos, de alguma forma e em algum lugar, estamos a nadar.
  



Cícero Brasil Ferraz

1.5.14

O GRANDE DITADOR

Já, há algum tempo, venho analisando neste "blog",  os "ismos" que constituímos e, que, ao mesmo tempo, também, nos constituíram. Às vezes o criador, em certa medida, também se torna a criatura; os sistemas e os "ismos" que o homem criou para "escrever" sua história, também se tornou enredo de seu próprio destino. Não somos, em boa medida, filhos da ditadura, da anarquia, da democracia, do socialismo e de tantos outros "ismos" que nós mesmos - via dialética histórica- criamos e, que, por  ser assim, também, por eles fomos "criados"?
Quem não é, pelo menos em certa medida, totalitário ou ditador? Não somos, ainda que um pouco, filhos decorrentes do nazismo e do comunismo quando, respectivamente, rejeitamos os "bolivas" (bolivianos que no Brasil residem), e os queremos fora de nosso mundo? Não estamos, por acaso, ainda que veladamente, pugnando por uma "raça pura", por já sermos um "melting pot", e não queremos mais diluição? Não é verdade também que somos um tanto quanto comunistas quando nos separamos - de alguma forma- das classes que julgamos "inferiores", por estarmos a buscar convívio com uma "classe única" e confessando que  todos os iguais deveriam ser tão iguais quanto nós?
Vou digredir. Por mais estranho que pareça, não gostaria de tratar sobre os dois temas em epígrafe que, como sistemas, trouxeram em seu bojo, dentro de um contexto etno-histórico específico, esperança e engajamento de um determinado povo num ponto pretérito da história.
Todo sistema - até aquele que sob o qual vivemos hoje- traz tudo que há de bom e de esperança, outrossim, o que há de ruim e desalento. O que sendo assim - e se é assim- vale dizer, se nós conhecêssemos somente o lado "bom", como poderíamos prová-lo como bom, sem o seu antíctone:aquilo que é ruim? ( Só lembrando: não está nos "buracos" do queijo suiço a constituição de sua própria distinção e sabor?). Faz parte do Lebenswelt esse paradoxo, que nunca será uma contradição.
Então:
O Capitalismo (agora entrei no assunto e saí da digressão), como filosofia econômica é o que dita, hodiernamente as normas e calcula a medida de poder dos governantes dos povos. Avaliamos o bom ou mau desempenho deles via resultados econômicos de sua gestão. Então, tendo como verdade a suposição acima, o sistema do governo mundial não é determinada por outros valores senão a Plutocracia.O gráficos econômicos - e não outra coisa- são o que avalia o desempenho do líder de uma nação. A Plutocracia é, por assim dizer, autocrática quando ela- somente ela-  pode determinar o humor e até mesmo o destino dos governantes, comerciantes, negociantes e do cidadão comum.A Plutocracia tornou-se uma deusa paradigmática que determina valores e regras para a convivência entre os povos.
Só há um "ismo" pior que o capitalismo selvagem: Seu filho mais velho, o Consumismo. Assim, como qualquer sub-sistema - pois o Consumismo não é um sistema em si, mas produto de um desses muitos que já nos governaram- traz o seu lado glamuroso: Consumir para não se consumir. Ou seja, se não der vazão a essa obsessão, ele nos sucumbirá. Para o Consumismo a felicidade não estar no ter, mas na possibilidade daquilo que se tem ser volátil para se obter mais, com a volúpia de nada possuir. A compulsão que ele provoca é como uma camada de gás que no final, levará ao vazio, ao caos, e por fim, à morte. Como vociferavam os ditadores espanhóis: "Viva à la muerte"! Esta expressão é totalmente contraditória, pois a morte não vive. Este "tanatós" é mais que a morte, é uma anti-vida.
Assim como nas outras ditaduras o Consumismo se impõe soberano sobre a vida: ou você consome ou você não tem direito de viver no nosso sistema. Você só tem direito de viver se morrer de comprar - comprar até morrer; ter de possuir e de comer até morrer. Essa ditadura de uma classe, se tornou potestade única do estado de espírito do escravo consumista do século XXI. Ele não pode viver mais sem aquilo  que o coisifica e o deteriora.
As ideologias tatalitárias - e o Consumismo é uma delas -  são notáveis pela propensão a condensar o difuso, localizar o indefinido, transformar o incontrolável num alvo ao seu alcance.
O Consumo está acima de comunismo (pureza de classe) ou do nazismo (pureza da raça). Ele busca um estado social totalizado: todos necessitam de consumir - qualquer raça, qualquer classe. Essa ditadura mundial já é - no séc XXI - um poder tão totalitário que, imagino,  nada poderá destituí-lo; a não ser que haja uma catástrofe de grandeza universal e, imediatamente,  surja uma auto-poese que nos realize como humanidade plena, que nos privilegie com a alteridade diante daqueles consomem para viver e daqueles que vivem para consumir.





Cícero Brasil Ferraz