A velha frase conhecida e preferida pelo homem moderno e, agora, também, pelo pós-moderno ressoa, a primeira vista, como uma ode à liberdade: "...estou à procura da minha felicidade...". Por mais necessário que seja a felicidade para o gênero humano, ela nunca pode ser "minha felicidade" (no sentido de encontrá-la, possuí-la e gozá-la por si-só), pois esse sentimento-estado só é encontrado na relação com o Outro, com o Tu ou na Face do Próximo. Ninguém é feliz simplesmente por ser feliz, há que haver uma conjugação vivencial, empática e interacional com o Outro. Os nossos valores permanentes são sempre "em relação a..." , em "em contraste de...", ou ainda, "concomitantes com...". Mas nunca livres do "Outro em relação a...", porque a felicidade não está na "coisa-em-si", mas no como relacionar essa "coisa-em-si" com o Outro. Felicidade é relacionamento.
Como "eu-moral", constituído no interior do espaço do "ethos" e de pontuais características culturais, o que é felicidade para um, pode ser desgraça para o outro. Aqui, onde moro, por exemplo, o trânsito pesado e congestionado se torna angústia e desgraça para muita gente (às vezes também para mim) e, o mesmo trânsito, por outro lado, é a alegria, felicidade e a realização de tantos mascates e vendedores ambulantes que se abolhetam às margens das grandes avenidas e ruas, biscateando seus produtos, o que lhes garante lucros jamais conseguidos se não nessas circunstâncias. O que não muda, nesses casos, é a relação com o outro.
Viver no espaço Eu-Tu é o segredo. Penetrar nesse espaço representa tirar uma "folga" das atividades mundanas (imundanas?), com suas normas e convenções e promover esses "encontros morais". Chegar despido de qualquer adorno social, despojado de qualquer "status", distinções sociais, desvantagens emocionais, posição ou papéis; não sendo rico nem pobre, arrogante ou humilde, poderoso ou destituído de poder. Simplesmente se aproximar com a essencialidade de nossa humanidade, comum a todos. Essa 'santa" busca e inquietude moral são o terreno sobre o qual toda e qualquer felicidade floresce.
Cabe-nos a esta altura perguntar: Pode essa relação, criada na estufa do encontro de duas pessoas (Eu-Tu) suportar a investida de um terceiro participante? Aqui se encontra o nó górdio das intrincadas relações de qualquer sociedade, desde as tribais ate às urbanas. A capacidade moral que se faz sob a responsabilidade pelo Outro como Rosto é que torna a teia social forte, potente e suficientemente vigorosa para sustentar uma carga inteiramente diversa, plurilateral na busca de sustentar e manter a responsabilidade social do Terceiro até que se configure seu Rosto Social que é o que narra a sua história e que dá sentido a sua vida. A felicidade plena será encontrada quando ninguém nesse mundo for um estranho. A vida com sentido último está no "Tu" e no "Vós".
Podemos afirmar que a relação sólida do Eu-Tu é que torna a vida comunitária (agora com um terceiro elemento no quadro) suportável ( de suporte) à tessitura dessa teia social. É assim que uma sociedade cria um saudável e aprazível Rosto Social, aquele se configura na intersubjetividade das relações, na transcedentalidade de seus cultos e nas dramatizações de seus instintos distintivos e, sobretudo, na exaltação de suas virtudes e categorias universais.
Cícero Brasil Ferraz