Assuntos

18.8.13

NA TEIA DA UTOPIA SOCIAL


A velha frase conhecida e preferida pelo homem moderno e, agora, também, pelo pós-moderno ressoa, a primeira vista, como uma ode à liberdade: "...estou à procura da minha felicidade...". Por mais necessário que seja a felicidade para o gênero humano, ela nunca pode ser "minha felicidade" (no sentido de encontrá-la, possuí-la e gozá-la por si-só), pois esse sentimento-estado só é encontrado na relação com o Outro, com o Tu ou na Face do Próximo. Ninguém é feliz simplesmente por ser feliz, há que haver uma conjugação vivencial, empática e interacional com o Outro. Os nossos valores permanentes são sempre "em relação a..." , em "em contraste de...", ou ainda, "concomitantes com...". Mas nunca livres do "Outro em relação a...", porque a felicidade não está na "coisa-em-si", mas no como relacionar essa "coisa-em-si" com o Outro. Felicidade é relacionamento.
Como "eu-moral", constituído no interior do espaço do "ethos" e de pontuais características culturais, o que é felicidade para um, pode ser desgraça para o outro. Aqui, onde moro, por exemplo, o trânsito pesado e congestionado se torna angústia e desgraça para muita gente (às vezes também para mim) e, o mesmo trânsito, por outro lado, é a alegria, felicidade e a realização de tantos mascates e vendedores ambulantes que se abolhetam às margens das grandes avenidas e ruas, biscateando seus produtos, o que lhes garante lucros jamais conseguidos se não nessas circunstâncias. O que não muda, nesses casos, é a relação com o outro.
Viver no espaço Eu-Tu é o segredo. Penetrar nesse espaço representa tirar uma "folga" das atividades mundanas (imundanas?), com suas normas e convenções e promover esses "encontros morais". Chegar despido de qualquer adorno social, despojado de qualquer "status", distinções sociais, desvantagens emocionais, posição ou papéis; não sendo rico nem pobre, arrogante ou humilde, poderoso ou destituído de poder. Simplesmente se aproximar com a essencialidade de nossa humanidade, comum a todos. Essa 'santa" busca e inquietude moral são o terreno sobre o qual toda e qualquer felicidade floresce.
Cabe-nos a esta altura perguntar: Pode essa relação, criada na estufa do encontro de duas pessoas (Eu-Tu) suportar a investida de um terceiro participante? Aqui se encontra o nó górdio das intrincadas relações de qualquer sociedade, desde as tribais ate às urbanas. A capacidade moral que se faz sob a responsabilidade pelo Outro como Rosto é que torna a teia social forte, potente e suficientemente vigorosa para sustentar uma carga inteiramente diversa, plurilateral na busca de sustentar e manter a responsabilidade social do Terceiro até que se configure seu Rosto Social que é o que narra  a sua  história e que dá sentido a sua vida. A felicidade plena será encontrada   quando ninguém nesse mundo for um estranho. A vida com sentido último está no "Tu" e no "Vós".
Podemos afirmar que a relação sólida do Eu-Tu é que torna a vida comunitária (agora com um terceiro elemento no quadro) suportável ( de suporte) à tessitura dessa teia social. É assim que uma sociedade cria um saudável e aprazível Rosto Social, aquele se configura na intersubjetividade das relações, na transcedentalidade de seus cultos e nas dramatizações de seus instintos distintivos e, sobretudo, na exaltação de suas virtudes e categorias universais.

Cícero Brasil Ferraz

3.8.13

E A DEMOCRACIA?

Desde o Séc. V a.C (O século de Péricles), na Grécia Antiga, o homem buscou um modelo político em que sua participação no governo das cidades-Estado se tornasse mais efetiva e factível nas suas famosas assembléias (Eklesias), geralmente convocadas para as ágoras centrais onde debatiam, junto com representantes do governo, os assuntos que eram mais palpitantes. Desse modo, o cidadão comum (exceto escravos e camponeses) distribuía com seus representantes direitos e responsabilidades.
Já, na Era Cristã, a Igreja (o Clero, é claro) assume  o lugar da Eklesia ("Igreja" ou assembléia) para, em nome de Deus, administrar os negócios temporais e espirituais. O poder agora está nas mãos de Deus (ou deus?). Esse modelo vigora até os Sec. XVI, quando retorna o antropocêntrico mundo ideal (das ideias): O período chamado iluminismo. E a  razão se torna, assim, a medida de todas as coisas. Nesse período as estruturas governamentais e ordenamentos jurídicos sofrem profundas transformações.
A primeira grande decisão dos humanistas foi tentar substituir  "Deus" pelo homem (ratio); colocar o homem no centro do universo; divinizá-lo ao substituir o Eu-Sou (Iaweh) pelo (cogito) ergo sun. Sua ambição foi a de instituir uma ordem inteira e absolutamente humana na terra. Uma espécie de um "novo" ponto de Arquimedes em torno do qual a terra e, até onde a inteligência humana o levasse, fosse fomentada, alimentada. O que só podia ser explicada à luz da razão. O Século XXI desmoronou o sonho iluminista e, também, o cientificismo do Sec. XX quando concluiu que não existe verdade mas, sim, verdades. O altivo e arrogante "homem-científico" (da ciência) se atrofiou ao ponto de viver hoje num nosocômio onde também moram a religião, a fé e a razão. Hoje, a ciência inválida, cronicamente desacreditada, tem como consolo acompanhar a vida passar pela janela de seu ilimitado espaço geográfico.
A pergunta - muito mais retórica e talvez, nela mesma se encontre a resposta- é: Como uma orientação filosófica, como a que temos hoje, que indefectivelmente leva o homem do antropocentrismo para o individualismo, quer ser democrática? Se a democracia pressupõe a participação de todos? É nesse nó górdio e estrangulador é que nasce, morre, revive a nossa confusa sociedade.
O homem comum da pólis (político) da pós-modernidade, tomou uma posição radical em relação a esse "nó". Desistiu da sociedade, enquanto agremiação política e, o que é mais triste, desistiu de si mesmo, enquanto partícipe e co-gestor de seu Estado. Ele já desistiu de uma sociedade ideal, sem distinção de raça, cor, estrato social, terceiromundização, ideal, em favor do qual, seus predecessores tanto lutaram. Isso não é mais a tônica do desidealizado homem pós-moderno. Repito o que algures escrevi: A solução tomada pela sociedade pós-moderna, através de seus atores, foi a privatização de sua própria vida. Privatizar aqui significa não se importar, se isolar, não tentar, não ousar...simplesmente desistir.
Por quê?
O potencial de suas inteligências e competências não foi capaz de transformar a sua individualidade num ser integrado ao próximo e ao seu mundo. O seu imenso universo se tornou em um "one-verso".

Cícero Brasil Ferraz