Assuntos

18.6.13

CHIBOLETE


Sou cristão. Não penso - por razão que não me cabe agora explicar- que o cristianismo seja apenas mais um modo de pensar sobre Deus ou de se tentar vivenciá-lo; acho, sim, que Jesus Cristo é a própria vida de Deus no mundo e, experimentalmente naqueles chamados para o cumprimento do propósito soteriológico de Deus na história.
Mas toda verdade - como é o caso do cristianismo- só é verdade histórica quando vivenciada pelo seu objeto. Tudo que existe como verdade não é, necessariamente, verdade histórica se isso não for perceptível, fusional, encarnado no seu objeto para produzir aquilo para o que fora destinado a produzir.
O Cristianismo, como verdade histórica, não foge desta realidade como pressuposto axiológico. É muito mais do que um conhecimento mecânico, que obedece uma lógica formal é, antes, relacional e proposicional. Se a verdade cristã "não se torna carne"(interferência hipostática), jamais se constituirá em verdade histórica, conquanto verdade.
Neste sentido, se o cristianismo é o único que pode dar vida ao homem, a pari, o homem é o único que pode "dar vida" ao Cristianismo quando pronuncia através do seu depoimento verbal aquilo que o possui. "Como ouvirão se não há quem pregue", é a conclusão a que chega a tradição apostólica.
Mas se o cristianismo é vida, a linguagem  que o propala também deve ser viva. Para cada cultura diferente há que haver uma forma muito diferente de fazê-lo entendido e experimentado, pois, cada cultura tem a sua cosmovisão ou a sua maneira particular de observar e interpretar e dar sentido lógico ao seu mundo e, a fortiori, às vivências empíricas e subjetivas. E a linguagem é a interface natural que amalgama esses estratos existenciais, é o instrumento que homo sapiens usa para "fabricar" esses imaginários através dos quais as realidades imateriais são experimentadas e vivenciadas.
Mesmo dentro de uma cultura milenar, a linguagem que a traduz e também a sua fala, não são tidas como fossilizadas, de uma vez por todas definidas e imutáveis. Os modos de comunicar vida, de historificar os conceitos é sempre dinâmico. Porque a vida é viva, o modo de comunicá-la obedece necessariamente a mesma regra. A vida, em qualquer campo do saber só é realizada como tal dentro dessa ebulição cambiante de linguagens e símbolos.
Geralmente, uma língua-pátria manifesta, com suas flexões gramaticais e contornos fonais seus conceitos de verdade, seus mitos e lendas que dão, em última análise, aquelas particularidades de crenças, éticas e comportamentos que constituem o perfil metafísico de um povo. É o que normalmente se chama de "forma de vida" (lebenform), ou aquilo que estabeleceu pela fala, o sentido da vida. É esse "lebenform" que estabelece, controla e torna comum a todos do grupo aquilo que se quer comunicar, sejam os mais gerais ou os mais particulares conceitos da vida. É nesse sentido que a linguagem e o cristianismo se interdependem. Não há vida em um, sem a vida do outro.
A religião cristã , como qualquer outra, é sempre dada "dentro" de uma cultura e, para ser absorvida, para dentro daquela cultura é preciso se "encaixar" à sua "lebenform", ao seu "sitz im leben" ( o lugar psicológico onde se vive a forma) Geralmente quando o cristianismo é absorvido e metabolizado em uma outra cultura, ou seja, quando comunicado de forma viva -dado os seu valores transcendentais e éticos- a vida social muda, alguma noções primitivas de espiritualidade ganham ares de genuína e madura adoração. A vida abundante nasce. Contudo, se essa mesma mensagem não for comunicada de forma viva, dentro da vida daquela cultura, aquilo que é vivo pode se tornar na mais catastrófica morte, mesmo em se tratando de Cristianismo.
Cícero Brasil Ferraz







3.6.13

CÉLULA MATER É CÉLULA MORTA (?)

Não há como discordar: A violência que campeia a sociedade brasileira do século XXI passa impreterivelmente pela família. Por mais que concordemos que o fator socioeconômico - a velha e insistente divisão binômica pobreza-riqueza - contribua com uma parcela considerável para com a insopitável escalada desse distúrbio social, nada é mais deletério que a desestruturação da família; pelo menos do modo como a conhecemos há séculos: Pai, mãe e filho(s).
Sem saber o que fazer antes que outro construto se instale educadores, gestores públicos, pais-mães tentam canalizar os infantes para creches, escolas, babás, vovós e outros ad hoc. Se vamos criar um outro paradigma - se é que podemos- até que chegue, haveremos de conviver com este grave atormentador e convulsivo momento da historiografia larária tupiniquim.
Por outro lado (e por causa disso), o que resta à nossa progênie é uma clara sensação de abandono, de desprezo, de  desvalorização humana. Nossos filhos sofrem - creio eu - de um terrível senso de abandono, de pertença deslocada para um outro sítio que não aos do afeto. A resposta é inequívoca: Violência. Violência com todas as suas variantes fruto desse vazio existencial, do desapego afetivo ou do pior dos abandonos, o abandono moral.
Em nós, os pais, o que fica é o sentimento do dever não cumprido, o obsessivo pensamento que "não precisava ser necessariamente assim"; uma espécie de "dívida impagável" que um danoninho ("que vale por um bifinho") ou uma viagem à Disney não podem quitar.
Fazemos de nossas casas um encontro ocasional de homem (marido, quando se tem), mulher (na maioria "pãe", pai-e-mãe ao mesmo tempo) e filho(s) sem nenhum vínculo estruturante, quase sempre à noite, depois de longos períodos isolados uns dos outros, e chamamos isso de família ou de lar.
Esta desestruturação gera emoções descontroladas, desvios na sexualidade, incapacidade de interagir, desprestígios às hierarquias e falta de propósito para com a vida. Todos os valores que fundamentaram a sociedade até então, não fazem mais sentido algum para os filhos dessa novas famílias, o que gera uma cultura de narcisos perenes e de individualista atemporais. O que só faz gerar grandes conflitos entre pais e filhos, alunos e professores, clérigos e fiéis, autoridades e cidadãos.
Vivemos agora no meio deste cipoal: Famílias recompostas, famílias destruídas, casais homossexuais com desejo de adotar filhos, famílias monoparentais (de um só cônjuge), família de mãe solteira com um ou mais filhos e família de produção independente. Como, pergunto eu, criar um novo modelo de família conciliando essas configurações? E, ainda: Que tipo de geração deixaremos para a construção do futuro? Ou não teremos futuro? Somente fatos no-aqui-e-agora o que, na verdade, nem merecerão uma análise?






Cícero Brasil Ferraz