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19.5.13

A MORTE DA RAZÃO

  Com o brocardo "cada um tem a sua razão", a pós-modernidade sepultou definitivamente a razão, aliás, ela, ícone do iluminismo e de todas as suas variantes. Isso porquê, se cada uma tem  razão e essa é distante e distinta das outras, tenho a razão de afirmar, então: Não há concordância, unidade, comunicabilidade ou meio de vivermos integralmente na complexa sociedade dos humanos. Assim, não se pode mais falar de universalidades - todas as categorias são particulares e não mais grupais ou étnicas. Não há, por conseguinte, senso comum ou certeza, somente certezas e generalidades. E mesmo aquilo  é certeza hoje,mesmo para o particular, não o será manhã. No máximo, o que pode haver, em termos de unidade, é uma diferença mais igual do que as outras. Em termos de um (dis)silogismo , seria mais ou menos assim: Qualquer caminho desse tipo de razão pode levar a qualquer conclusão, ou a conclusão nenhuma; e em termos existenciais: Qualquer caminho pode levar a qualquer lugar mas, que, também, qualquer lugar é lugar nenhum.
Parece, olhando superficialmente, que o argumento acima se nos pareça um "pun", um "puzzle"ou um jogo de palavras mas, é, na essência, a mais pura razão da irracionalidade pós-moderna. Destarte, a história de cada um, como também a história de todos caminham em sucessão de fatos particulares, sem nenhuma conexão entre eles. Não há como sustentar, desse modo, a tensão dialética proposta por Hegel em que todo movimento da história dos homens e dos homens dentro da história só subsiste a partir do seu contrário e não a partir do seu diferente, do simplesmente outro. Na pós-modernidade pelo fato desse movimento ser particular, sem definição permanente ou integrador   é, então, social e psicologicamente natimorto.
Cabe, a esta altura, a título de quase uma digressão, uma pergunta retórica: Onde repousa a causa da epidêmica ansiedade do homem pós-moderno? Não estaria nessa falta de certeza de esperança, portanto, de futuro? Se não há absoluto nenhum, também não há verdade e se não há verdade, também não haverá esperança. O homem de hoje, assim, está constantemente fadado à uma pré-existência. do-si-mesmo que teima nele existir. Isto porquê se não há para  esse possibilidade nenhuma de uma realidade palpável (mesmo que seja a mais primária), se não há objetividade nas particularidades existenciais ( o que o torna uma im-pesso-al), o que haverá então será somente uma representação de tudo em termos de tudo mais. Nada será valor de fato que possa tornar esse homem necessitante um projeto para o futuro. Se nenhuma certeza existe, também não haverá valores, porque toda luta é gloriosa quando busca o resgate de valores e isso constitui, de fato, o maior fato da nossa esperança. De fato valores tais como verdade, certeza, amor, bondade, justiça, paciência e tantos outros foram molas que lançaram os homens para os degraus da esperança. Muita vez à custo de lágrimas e morte.
Esta é a razão (a morte da razão) porque nada é mais permanente. A sociedade pós-moderna é filosoficamente fissípara e volátil. Todas as suas relações são construídas já com necessidade de se esboroar. Em todos âmbitos desta sociedade existe uma constatação axiomática: Não podemos construir relações permanentes, pois não há futuro algum nos aguardando. A única relação permanente é aquela baseada no eu-e-o-agora - sempre vazia; sempre solitária...
Se a modernidade conquistou o mundo com a certeza retilínea de sua razão, a pós-modernidade nos corrompeu com seu rompante niilista e incerto de suas circularidade. Hoje, nada é projetado, todo movimento é de circularidade e ambivalência. A utopia iluminista de que a razão daria ao homem uma esperança do futuro melhor fracassou com a deflagração de duas guerras mundiais.
A pregação messiânica da razão como norteadora da história humana não levou em conta os egos megalomaníacos e suas insanidades; e nem que, muitas vezes esse "ratio" opta muito mais por aquilo que sente do que por aquilo que pensa. Uma razão cartesiana às avessas: "sun, ergo cogito". Outras variantes como emoção momentâneas, espiritualidade fragmentadas, percepções místicas também se somaram a esse cipoal sináptico da inteligência humana da  fracassada era da razão.
Assim (na modernidade), como agora (na pós-modernidade) o Éden está fechado com suas trancas inamovíveis pelos querubins. Novamente Adão e Eva são expulso da vida com significado e de esperança. A promessa iluminista foi tão fantasiosa quanto a realidade que vivemos hoje. Qual será o próximo passo da humanidade? E haverá outro passo?
Creio firmemente se houver um futuro à frente e, se o homem estiver lá estará, no mínima, de costas para ele.

Cícero Brasil Ferraz
         






4.5.13

LALIA, ALALIA E DISLALIA

Com o avanço insopitável das mídias, sobretudo, as digitais, corremos o sério risco de morrermos na solidão no meio de todo mundo. É que, aos poucos, nos submetemos à linguagem digital e, como sabemos, ela não esgota todas as necessidades de todas as linguagens de que somos detentores enquanto seres gregários e comunicantes. É possível que estejamos nos empobrecendo naquilo que exatamente nos difere como seres que pensam, falam e se comunicam de forma "holofônica". Podemos até falar sem pensar, mas nunca pensar sem falar; inclusive em nossos solilóquios. Não podemos observar, raciocinar ou nada concluir se não for via vocabulário interno; não podemos, externamente nos fazermos entender senão, também, por meio de um dos muitos tipos de linguagem que usamos, no caso, a fônica.
Se de um lado avançamos no mundo cibernético ( e isso em parte é bom), por outro, diminuímos a nossa capacidade nos comunicarmos de forma holística, integradora e geradora de senso de pertencimento, fator indispensável para a nossa saúde psíquica. Estamos perdendo, aos poucos, a nossa capacidade de nos comunicarmos analogicamante. Essa linguagem é que nos permite observar o inefável, a imaginarmos o subjetivo, o não concreto e o abstrato.
A cibernética que tem sido um poderoso instrumento para o enriquecimento da cultura humano é, por outra lado, uma via sem volta para o empobrecimento do 'feeling", da capacidade de sentir o inefável desse próprio homem. Daí, as relações modernas, quase sempre, serem "biossintezidas", "plásticas", "voláteis" e "robotizadas".. O que acontece é que estamos perdendo a capacidade de sentir o "outro dentro de nós". Estamos reduzindo a nossa convivência, enquanto seres comunitários, ao mínimo possível. Mesmo quando em um mesmo ambiente profissional, por exemplo, separados uma pequena "baia", preferimos a linguagem digital à dialógica. Triste constatação!
Não estou advogando o banimento da linguagem digital, pelo contrário, penso ser esse modelo de comunicação indispensável para o progresso do homem em sua destinação histórica de conquistar sua sobrevivência e as distâncias que separam os ideais dos humanos de serem uma "grande aldeia global".
Por mais que a linguagem digital seja um indicativo da mente mais evoluída do homem do século XXI, por mais que seja tecnologicamente rica e complexa ela não contempla a riqueza do toque, do sorriso, das expressões fisionômicas como realiza a linguagem dialógica. Um exemplo claro é o modo como os bebês absorvem esse tipo de linguagem que provoca "conhecimento" imediato, intuitivo e espontâneo. E quando ele é falto o "rombo" que  provoca em todo a sua vida é irremediável. Só esse tipo de linguagem poderá dar ao homem a plenitude de um relacionamento saudável nas suas mais diversas interações. Senão, como surdos e mudos se humanizariam, e com que sinais os analfabetos se comunicariam e as crianças cresceriam emocionalmente? Há, nesses casos, alianças e acordos não digitais que os capacitam e desenvolver e crescer em toda a sua humanidade. Através dessa linguagem analógica é que se  permite  toda troca de muxoxos, expressões faciais, movimentos, signos e todas as outras expressões de uma linguagem totalmente  construtora de sua antropologia que busca no homem sua individuação.
Foi exatamente a linguagem dialogal o fator facilitador, também, da própria linguagem digital e binária. E, s essa linguagem (a dialogal) que possibilitou o homem essas tremendas conquistas não for "reativada com carga máxima" é possível que haja, em pouco tempo, uma completa desorientação entre os "linguajantes" - e isso seria o caos  completo no ambicioso projeto conquistador e exploratório da irrefreável curiosidade humana. Nós -os humanos- só poderemos nos manter vivos se mantivermos vivas as nossas mais variegadas formas de nos comunicarmos. Sem linguagem não há vida!
Certamente compreendo que se, em detrimento de uma linguagem, valorizarmos, excessivamente a outra, perderemos grande parte de nossos valores inconscientes, individuais e coletivos que só são como são, quando intercambiáveis com quais estabelecemos acordos, às vezes secretos, produzimos fantasias, criamos nossas defesas, autoajuda, conciliações, cooperação fatores tão fundamentais para os padrões de comunicação e para manutenção dos fundamentos de nossa saúde física, mental e espiritual. O homem é o que fala...

Cícero Brasil Ferraz