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19.1.13

PLIM! PLIM! - ISSO É TUDO?

Desculpem-me leitores pelo meu desabafo. Sera que a TV não tem nada mais para colocar em pauta ou mais nada para se discutir nos seus horários nobres? Será que o único fenômeno que acontece em nossa República Tupiniquim são esses clichês - tábula rasa - das relações multiafetivas que travestidas de "assim (como se fosse só assim) é a nossa sociedade"? Será que não há mais nada que ser tratado dentro do escopo "o que fazemos é só repetir o quotidiano da nossa gente"? Será que as doenças endêmicas que caracterizam países atrasados, a ignorância alfabetária, o poder pecuniário mantido à custa da pacividade dos contribuintes, a pobreza e a mendicância não são, também, algo recorrente no reflexo social que espelha a realidade brasileira, e que merecem o mesmo status? Será que a vida nossa de cada dia não é muito mais do que aquilo?
Não nego - sou psicanalista - que a libido é uma energia fundamental na constituição da vida humana e sua mais diferentes manifestações de beleza, critatividade e de todas as variegadas produções do engenho da criatividade humana, mas dizer que a vida e suas complexidades "é isso; só isso" é um reducionismo que guarda no seu "back ground" outros interesses que, talvez, nem nos damos contas; é no mínimo um exagero; ou é uma falta de criatividade totalmente intencional. Definitivamente: esse não é  todo o espectro da nossa sociedade.
A próxima questão que se segue é: Por que há tanto interesse que somente essa situação da vida (zeitgeist) seja tomada como se fosse toda a vida assim; só assim (sitz im leben)?
Toda força instintiva, tal como  religião, sexualidade, defesa do self e preponderâncias narcísicas em geral  são forças obsedantes, narcotizantes. Por elas - como soe acontecer nos meio religioso, mormente no meio neo-pentercostal - é possivel manipular consciências incautas, gente sem distanciamento crítico ("idiot savant"), inocentes úteis e analfabetos funcionais como azêmulas encabrestadas, guiadas por velhos interesses que teimam subsistir à custa do "assim é a realidade; tudo; o que fazemos é apenas refletir o que na verdade somos". Essa gente manipuladora é apenas revisora de parte de história, mas que jamais move uma palha para transformá-la. Usam essas forças instintivas como se fosse uma espécie de "boa noite cinderela" do corpo social (depois de sedação, tudo é possível), "puxando" essa grande massa acéfala para a acriticidade quando não, para juízos de subsistência primária.
Esse reducionismo televisivo é simplesmente medievo. Tal como os detentores do saber dessa época reduziam toda a vida ao campo da religião (eclesia legisla causa finita), os globais reduzem-na a feixes libidinais como se só isso controlasse "todo o universo das afeições humanas". Países desenvolvidos da Europa (Alemanha, Suiça, por exemplo) já abandonaram há muitos anos esse tipo de apelo primitivo, na busca do controle da (in)consciência, do poder político e pecuniário. Deixaram de prometer o céu através das utopias narcotizantes para, na realidade histórica, criar um Estado de gente culta, crítica e realizada.
Parece-me - e eu gostaria de estar rotundamente errado - que quanto mais  as relações erotoafetivas forem desafeiçoadas, descomprometidas e superficiais entre e intra-gêneros, mais o produto-global pode ser popularizado, absorvido e consumido. Modelo que o homem - falo aqui do mais primitivo-já descobriu como pobre e insuficiente para pessoas de qualquer uma tribo, que pelo menos quer ter consciência de seus membros, enquanto indivíduos pertecentes e pertencidos ao mundo dos "sapiens".
A quem interessa, então, a poligamia, a traição covarde, a homoafetividade, a superficialidade dos "affairs', a quebra dos paradigmas de gênero, a igualização dos diferentes e a falsa sensação que o "mundo todo é assim; tudo é assim; é só assim": uma troca de fluidos corpóreos"?
Esse é o "narcótico global" aplicado na veia dos brasileiros todo o dia, o dia todo... durma com essa vidinha; durma com essa tevezinha; durma "com esse barulho" : PLIM! PLIM!

Cicero Brasil Ferraz




4.1.13

RÔMULO E REMO - DO ESTRANHO AO DIFERENTEE

Desejo tratar neste texto de uma questão que foi endêmica até bem pouco tempo e que, com a desfronteirização do mundo, tornou-se epidêmica: A presença do Outro que não da nossa "crew" ocupando o espaço físico, econômico, cultural os quais não lhe pertence. A impasse não está somente no âmbito físico, como por exemplo, um muçulmano usar véu na França, um brasileiro sambando de forma impúdica na conservadora nação yankee ou, até mesmo, um boliviano falando em quechua - para não ser entendido - dentro de um metrô em São Paulo; com agravante de todos esses "xenos" residirem e domiciliarem nesses lugares.
Aqui a pergunta: Até quando o estranho é só diferente?
O mundo cada vez mais "plano" (sem curvas e sem fronteiras) exigirá dos sociólogos, políticos e macroestrategistas uma resposta mais fina e precisa a essa questão "do estranho versus o diferente", ou seja, criar fórmulas globais que abranjam, como princípio, todas essas convulsões, que num futuro bem próximo, serão universais sob pena de, se esses "ultra-modelos" não serem costuradas, gerar uma hecatombe social em nível mundial.
Essa discussão ganha peso considerável quando os países árabes e africanos emergem do fundo tartárico das muitas ditaduras ali vitalícias, até então, para uma possível liberdade, o que propicia uma oportunidade daquela gente, de alguma forma, "ir e vir" na busca  do "tesouro" em "terras d'além mar".  Assim, exumados de suas culturas, trazem para o mundo de fora, em seu "ethos",  tudo que na sua realidade e cosmovisão existe, para dentro de uma outra cultura, quase sempre estranha ao seu "sitz im leben" original.
Trazendo essa realidade psico-social para o microcosmo, essa questão levantada acima afeta famílias e indivíduos. O comportamento dos novos residentes será um misto do mundo de origem com o do novo mundo; os filhos serão "híbridos" e, por, no mínimo, duas gerações futuras, os então filhos da terra trarão as marcas da estranheza em sua própria terra. Durante algum tempo, será difícil para as leis internas, magistrados, professores e igrejas traçarem um perfil da diferença daquilo que é diferente em face do que é estranho.
Estou, a esta altura, tratando não só do comportamento individual, mas também de conceitos que constituem mesmo os alicerces da individualidade desse cidadão e de sua destinação como agente histórico na formatação do seu espírito gregário. Assim: Tudo que é estranho o é apenas por algum tempo? Ou haverá estranhos que nunca deixarão de ser diferentes?
Algumas tribos mais antigas resolveram essa dúvida - até quando o estranho é diferente e vice-versa - por uma orientação antropofágica, devorando a todos que, por não lhes serem comuns e que  ameaçassem a sua identidade tribal, ou que, ainda, ao se misturarem, pudessem "manchar" a sua pureza fenotípica. Dessarte, quando o estranho era devorado, se metabolizava em força e energia dentro do antropófago. Assim o estranho não só desaparecia como, também, se tornava um subtecido do seu próprio "self'. É o que poderíamos chamar de "estratégia de assimilação tribal": Tornar um estranho em diferente e, ainda, o diferente em semelhante; um seu "comum". Foi o modo encontrado de dar perpetuidade ao grupo, mantendo inalterados e intactos  seus costumes e sua crenças tribais  por séculos.
E quando "um de dentro" se tornava estranho? A solução era "antrocatártica"; ele era "vomitado", banido dos limites do mundo ordeiro e impedido de toda a comunicação com os do "lado de dentro'. Os xamãs eram os "magistrados" que sentenciavam e faziam valer o processo de exclusão.
Hoje algumas atitudes "tribais" são tomadas por aqueles que se intitulam atores de um Estado moderno. É aquilo que chamaria de "destruição criativa", quer seja, uma eliminação cultural:  Deve-se "absorver" o culturalmente rejeitado (pobres, pretos e prostitutas) que não se encaixam no nosso estamento (antropofagia?) ou, então,  jogá-los em presídios subterrâneos até que morram (antropocatarsia?).
As nossas "personas" de modernos só fazem esconder a nossa velha ânima primitiva. Sofisticamo-nos sem, contudo, crescermos enquanto homo sapiens. A proposta do Estado moderno não nos livrou dessa xenofenotipia. Ele não tornou, nada obstante, uma firme posição contra a identidade xenófoba que impede o diferente e  estranho se tornar um igual na grande tribo global dos tempos modernos.
Faz-se necessário, então, que estruturas tanto em nível micro como em macrocosmo sejam dotadas de suficiente elasticidade e solidez para resistir a todas as incursões do individualismo e, assim, esse Outro possa sobreviver ante a toda escolha exclusivista  (terreno fértil para o crescimento de ditadores e genocidas) e  que, também, ao mesmo tempo, possa dar a cada indivíduo uma oportunidade pessoal para somar forças com o conjunto de realizações circunstanciais que, duras como uma rocha, baseadas em certezas, possam ser racionalmente calculadas e objetivamente avaliadas, e tenazmente historificadas. Ergo, a capacidade individual gerará um tecido social novo, a partir de costumes estranhos e diferentes no encontro  com o nativo, produzindo como síntese uma sociedade pluriparental, forte e nova.
O estranho romperá limites, o diferente as fronteiras das possibilidades esquecidas; irá do estranho que burla ao diferente que modifica; do estranho que assusta ao diferente que integra.
A resposta na busca do diferente não ser um estranho é transformá-lo em um semelhante, o que passará pelo modo como humanizamos as nossa relações com o Outro; ninguém pode ser justo se antes não for humanitário.

Cícero Brasil Ferraz