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19.10.12

EU NÃO CREIO - E AGORA?

O pior tributo que um gênio ateu paga à sua própria vida é o de crer num mundo somente casual e determinado por forças e leis perfeitas, mas ao mesmo tempo cegas e bastardas. O que pode ser mais trágico do que alguém que faz tudo parecer com  sentido e gerenciado por um motor lógico, quando ele mesmo afirma que é casual ou contingente.
Será que o seu drama não está no fato de que ele gasta força, energia, tempo de sua vida, em muitos casos, para dar explicações e fazer lógico aquilo que ele mesmo julga fortuito? Não será esse movimento antagônico, a razão da angústia,  do inconsertável e  quase esquizóide mundo racional digladiando com suas buscas metafísicas? Não será essa a causa da teimosia de sua alma que deseja se harmonizar com aquilo que sua razão não quer teimosamente aceitar e, que, ao mesmo tempo, não recusa que sabe existir? É, na verdade, uma cacofonia existencial, ou seja, não é perfeitamente consonante encarar que os sons da sua razão não criam harmonia com os de sua alma.
Não será o seu reducionismo a razão de sua esquizo-relação com o cosmo? A sua visão estreita, fechada em um canto isolado de algum saber não o afasta da percepção de que existe no mundo não- físico, razões e fórmulas metafísicas que regem o universo e, que isso, exatamente isso, cria um senso de totalidade na vida humana e sua relação com o todo?
Perguntas que um ateu genial deve responder: O quanto um cálculo matemático há em sua essência em relação à arte? Como a sua razão mensura o belo? Dá-me um ponto físico daquilo que é um ponto, ou, então, defina-o? Explique a si mesmo o motor que impulsionou o Big-Bang ou quantos megatons foram necessários para explodir o que daria o início ao processo da expansão de energia no universo?
Não são perguntas retóricas, são razões que, ao serem aceitas como criadas por forças não físicas, criam um senso de bem-estar do "self" e harmonizam o nosso saber com os outros saberes.
A desintegração do homem agnóstico ou ateu se deita no fato de que as explicaçãoes racionais e materialistas do mundo (machine) não criam expectativas de esperança e nem respondem perguntas que a sua alma sugere, instiga e questiona. Isso – o que somente a razão lhe dá como resposta última – não abrange categorias que a alma anseia experimentar. As confirmações e respostas que as fórmulas, descobertas e teoremas confirmam não tangem aquelas áreas "românticas". A razão não é suficiente para estas coisas.
Paixão, beleza e graça são tipologias de um mundo tão real quanto aquele, mas que não é alcançada pela razão. Esses atributos do homem e no homem são, na verdade, projeções de uma realidade absoluta e perfeita da qual as verdades racionais são apenas sinais.
O Deus-homem, só ele, faz a síncope desses mundos. O ser humano se sente "totalizado" quando convive com Aquele que torna as realidades unívocas, harmônicas e integradoras.
Nenhuma alma mortal pode livrar-se desta sensação de que nele há um sentido total da vida. Talvez o que aquele que é regido pelo mundo da razão tenta, a vida toda, é livrar-se dessa sede, mas sem beber água; correr para o infinito mas com o fôlego limitado; silenciar o som da vida que está em toda parte do mundo. É uma tentativa insana de se esquivar daquele que enche o cosmo de significado ou, então, livrar-se Daquele que tem em si mesmo a ubiquidade.

Cícero Brasil Ferraz

5.10.12

O RETORNO DO MINOTAURO

Tenho argumentado em alguns escritos que a sociedade destruiu os seus paradigmas, tais como família, religião, o conceito de autoridade e relacionamentos responsivos e congruentes. Quero, outrossim, deixar bem claro, que destruir paradigmas não é de todo ruim quando, em lugar do quebrado, se crie outro, mesmo que seja para pior. Mas o que acontece é que os paradigmas foram destruídos e não se tem colocado nada em seu lugar. Daí o vácuo, a náusea, a insatisfação e o fastio que a vida além da modernidade incita.
Nesse vácuo sombrio – e exatamente aí -, em meio a homens inseguros e desnorteados reaparece  como solução imperiosa e bruta, como um minotauro ressurreto, uma velha orientação da qual a humanidade tentou e tenta fugir desesperadamente até aos dias hodiernos: o fundamentalismo. Se o homem perdeu o seu destino os pressupostos fundamentalistas renascem como antiresposta à sua fragilidade existencial e à sua despropositada vida. Assim, propõe um super-homem dotado do controle dos fatos e da história. É o destino do homem sob o controle do homem. Como consequência, nasce desse bojo, a religião controladora, a política das certezas e o etnocentrismo narcísico.
fundamentalismo, quer na esfera tribal, política ou religiosa é, e sempre será, insano. Não pretende, em primeiro plano, obstar o homem do progresso quer, isso sim, controlá-lo pelo simples prazer de manipulá-lo, manuseá-lo e até escravizá-lo. O preço que depois essa orientação cobra e que seus seguidores necessariamente pagam, é a agonia de uma sociedade condenada a uma autosuficiência  fossilizada e a uma auto confiança solitária e um futuro previsível relegada à uma vida sem escolha por não permitir riscos e nem o sabor de encontrar no incerto o cheiro do novo.
Talvez esse fenômeno exumado tenha tanto vigor em nossos dias pelo fato – e isso não podemos negar – dessa orientação saber mapear, prospectar, descrever e nomear os inegáveis problemas que afligem esse over-man (o homem além de sua própria história). É exatamente no diagnóstico que o fundamentalismo encontra sua força cativando gente frágil, sem história, sem isenção crítica, pronta a pagar o auto preço por qualquer certeza mesmo que seja com a convicção de que ser escravo protegido é melhor do que ser um peregrino livre. A clientela do fundamentalismo geralmente se constitui de homens e mulheres que tem pavor da inadequação pessoal, que vivem diariamente o pesadelo de não estarem à altura das novas e desafiantes fórmulas de vida que o futuro caprichosamente auspicia: a irreparável fraqueza do individuo humano, comparada com a onipotência de sua própria espécie. São vidas sem mentores, sem sábios, filósofos ou poetas movidas pela autodisciplina cega propugnada por especialistas mais iguais do que seus pares.
A grande promessa do fundamentalismo é a de libertar os seus adeptos da agonia da escolha. Tudo está pronto, definido e sob controle. Eles não precisam correr mais riscos que a liberdade e o novo indefectívelmente oferecem. São verdades mortas, jornal do dia anterior que teima em ser notícia nova ainda hoje, fármacos com validade vencida e profecias já cumpridas em tempos antanhos que prometem com essas verdades mortas uma nova e definitiva resposta para os complexos e quase indecifráveis enigmas da nossa pós história.
A volta da ditadura católicoromana promovida pela ascensão de Bento XVI, o integrismo islâmico dos aiatolás, o estilo da Irmandade Muçulmana, o movimento chassidístico atual, os novos ícones do evangelicalismo neopentecostal e o surgimento do protestantismo neopuritano são algumas das evidências de que os genes minotáuricos estão vivos e ativos replicando suas mazelas e seus filhotes por todo mundo.
Não é pecado buscar verdades vivas que homens mortos nos deixaram, mas é indesculpável nos submetermos à verdades mortas que os vivos querem nos impor.

Cícero Brasil Ferraz